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Sobre a Autora 

Fátima Diniz Castanheira é advogada em São Paulo, especializada em Direito dos Contratos e pesquisadora independente da previdência complementar patrocinada – fundos de pensão.

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Falhas estruturais do sistema de fundos de pensão

O sistema de previdência complementar patrocinado tem falhas estruturais graves desde a sua formação. Além disso, o órgão regulador e fiscalizador também tem falhas internas, as quais estão impedindo a apreciação das causas dos déficits. Vamos a elas:


1. Sistema não definiu o destino dos fundos de pensão na incorporação, fusão e na privatização


A lei não definiu o destino dos fundos de pensão nos casos de incorporação, fusão e privatização. Limitou-se a exigir apenas a aprovação do órgão regulador e fiscalizador, atual Previc. Não estabeleceu regras quanto ao futuro do fundo de pensão. Eis os seus termos:


Lei Complementar nº109/2001:

Art. 33. Dependerão de prévia e expressa autorização do órgão regulador e fiscalizador:

I - a constituição e o funcionamento da entidade fechada, bem como a aplicação dos respectivos estatutos, dos regulamentos dos planos de benefícios e suas alterações;

II - as operações de fusão, cisão, incorporação ou qualquer outra forma de reorganização societária, relativas às entidades fechadas;

III - as retiradas de patrocinadores; e

IV - as transferências de patrocínio, de grupo de participantes, de planos e de reservas entre entidades fechadas.


É inequívoca a falha do sistema porque pela legislação pátria, quem incorpora uma empresa deve assumir todos os seus direitos e obrigações. Essa regra é antiga e vem desde a Lei das S/A, ou seja, desde antes da implantação da previdência complementar no país. Eis os termos da lei:


Lei nº 6.404 de 15 de dezembro de 1976 – Lei das S/A:

Art. 227. A incorporação é a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações.


Art. 1.116 do Código Civil – Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002:

Na incorporação, uma ou várias sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações, devendo todas aprová-la, na forma estabelecida para os respectivos tipos.


Logo, deveria ter previsão legal quanto à obrigação como patrocinador do fundo de pensão, inclusive quanto a eventual situação deficitária. Além disso, o órgão regulador e fiscalizador, tanto a antiga Secretaria de Previdência Complementar – SPC quanto a atual Previc tem falha interna, e vem aprovando incorporação de empresa com fundo deficitário, sem exigir a prévia regularização, como demonstrado no item 2 a seguir.


Essa falha do sistema vem causando prejuízo aos participantes de fundos de empresa incorporada porque o fundo, mesmo segregado e deficitário, é mantido em apartado, pagando diretores indicados pela empresa que incorporou, além de toda uma estrutura trabalhista, com centenas de trabalhadores. Esses diretores ganham mais que os ministros do Supremo Tribunal Federal, com tudo pago pelos participantes.


1.1. Segregação do fundo de pensão da empresa incorporada ou privatizada


A falta de previsão legal quanto ao destino do fundo de pensão na incorporação criou duas fontes de déficit: 1) Déficit pela segregação do fundo da empresa incorporada, ou seja, o perecimento por falta de recursos dos trabalhadores novos, uma vez que estes passam a aderir ao fundo da nova empresa. Esse fenômeno está destruindo principalmente os planos de Benefício Definido-BD da empresa incorporada porque esses planos, mutualistas e de conta única, são estruturados no pacto entre gerações – pacto intergeracional em que os novos pagam os benefícios dos antigos, como na previdência oficial - INSS. 2) Déficit pela administração paralela do fundo de pensão da empresa incorporada. O custo dos altos salários da diretoria indicada pela nova empresa aumenta o déficit do fundo de pensão segregado. É o caso do deficitário Economus (do Banco Nossa Caixa), que custeia os altos salários dos administradores indicados pelo Banco do Brasil, agrando ainda mais o déficit e prejudicando milhares de trabalhadores participantes do fundo segregado.


Na privatização ocorre fenômeno até pior porque na maioria das vezes os trabalhadores são demitidos, levando apenas as suas contribuições, deixando as contribuições patronais para o fundo, gerando superávit. A história mostra que houve apropriação desses valores pelo novo patrocinador.


O sistema de previdência complementar é falho e precisa de mudança urgente na legislação, sobretudo porque o Brasil está prestes a iniciar grandes privatizações como da Eletrobrás e até do próprio Banco do Brasil. É preciso definir o destino dos fundos de pensão para evitar a demissão em massa, usada para gerar superávit para o patrocinador ou minimizar o déficit, como ocorreu nas privatizações anteriores.


2. Não há conexão interna entre o órgão regulador e o fiscalizador


O grande problema dos fundos de pensão reside num grave defeito estrutural do sistema: não há conexão interna entre o órgão fiscalizador e o regulador. Devido a essa falha, tanto a antiga Secretaria de Previdência – SPC quanto a atual Previc aprovou a incorporação de empresas, cujos fundos estavam deficitários em razão de irregularidades graves. Aprovou tudo sem exigir a devida regularização.


Como exemplo dessa falha temos o caso Economus (do Banco Nossa Caixa). Na época da incorporação pelo Banco do Brasil, em 2009, o Economus tinha um déficit de R$ 695 milhões de reais (valores de 2005), de pleno conhecimento do órgão fiscalizador, sendo discutido na Justiça[1].


Esse déficit era decorrente da redução das contribuições do patrocinador em mais de R$ 203.609,69 reais por mês durante 5 anos (1995 a 2000) e também da falta de aportes para uma verba incomum dos celetistas, denominada Adicional Especial. Essas irregularidades haviam sido constatadas pelo órgão fiscalizador através do Of. 901/SPC/DEFIS/CGDF de 17.03.2006, mas nunca foi exigida a devida regularização. Esse déficit, de responsabilidade do patrocinador, ficou de fora da negociação e vem sendo equacionado pelos trabalhadores, com descontos compulsórios desde agosto de 2006. Em 2016 surgiu um novo déficit de 2015 no valor de 511 milhões, que vem sendo pago desde fevereiro/2016[2].


Agora há rumores de que o déficit atual já atingiu 2,1 bilhões, cujo desconto compulsório será de quase 30% da complementação. Se essa previsão sinistra se confirmar, será a maior tragédia previdenciária do país porque esses trabalhadores já haviam perdido parte substancial da complementação por um redutor etário sem qualquer amparo legal[3].


Essa falha do órgão fiscalizador causou prejuízo também no saldamento[4] dos Planos de Benefício Definido-BD porque muitos apresentavam déficit, mas mesmo assim foram quitados, para a criação de contas individuais. Aconteceu no Economus que criou o PREVMAIS, no Postalis que criou o Postalprev e no Petros.


2.1. Falhas da PREVIC e do sistema foram confirmadas pelo TCU em março/2018


O Tribunal de Contas da União – TCU vem prestando relevantes serviços ao país, suprindo as falhas da PREVIC – órgão fiscalizador do sistema de Previdência Complementar (fundos de pensão).


Em 21.03.2018, no Relatório de Levantamento dos fundos de pensão deficitários das estatais Previ, Funcef e Petros, o TCU comprovou que os fundos das estatais deixaram de ganhar R$ 85 bilhões por ineficiência dos seus administradores. Comprovou também as falhas na fiscalização pela PREVIC ocorridas nesses fundos, muitos dos quais estão sendo investigados pelas várias operações da Polícia Federal em curso no país, como a Lava Jato, Greenfield, Sépsis e Cui Buono.


Essas falhas causaram dano a milhares de participantes desses fundos das estatais. No caso do Petros, o desconto compulsório para equacionar o déficit já chegou a absurdos 74,69% ao mês, como demonstrado no artigo "Déficits não param de crescer". Eis alguns trechos do Acórdão nº 595/2018 do TCU[5]:


Relatório de Levantamento do TCU de 21.03.2018:

104. Dessa forma, conforme se depreende dos achados ao longo deste relatório, vê-se que o poder sancionador da Previc é limitado e não tem o condão de prevenir e reprimir condutas que resultam em atos de improbidade administrativa e de ressarcimento por danos causados ao erário.


105. Além disso, conforme detalha-se em outro tópico deste relatório (Inconsistências nos desdobramentos de autos de infração expedidos pela Previc em casos analisados na CPI dos Fundos de Pensão), os resultados apresentados nos autos de infração e os valores das notificações autuadas pela Previc não foram suficientes para fazer face aos prejuízos apurados pela Previc nos investimentos realizados pela Funcef, Petros e Previ.

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128. A Previc não fiscalizou nenhuma dessas operações de compra de ação com indício de sobrepreço. Os ativos listados nessa figura ou foram adquiridos com sobrepreço, ou há falhas no registro de preço de sua custódia. Em ambos casos, há elevada probabilidade de irregularidade, enquadrando esses ativos como de elevado risco.


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183. A Previc não fiscalizou essas compras de ações com indícios de sobrepreço. Todas as compra de ações com indícios de sobrepreço são consideradas de elevado risco.

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IV.3.11.4 Ausência de punição tempestiva de gestores de fundos de pensão por parte da Previc


783. Ainda tratando da questão afeta à responsabilização de gestores de fundos de pensão por parte da Previc, observou-se, em muitos casos, uma demora excessiva para apuração dos fatos ocorridos que geraram falhas na gestão de fundos de pensão, bem como para o alcance da efetiva punição dos responsáveis por essas irregularidades.


784. Nesse sentido, identificou-se que o atraso está concentrado basicamente em dois momentos específicos do processo de apuração e punição de irregularidades por meio dos autos de infração.


785. O primeiro momento seria o tempo decorrido entre a ocorrência da irregularidade em si e o início da apuração por parte da Previc e consequente abertura do auto de infração. Assim, muitas vezes entre a ocorrência da falha e o início da apuração pode existir um período de alguns anos.


786. Obviamente, a identificação de falhas em investimentos de grande porte nem sempre é um processo simples, e muitas vezes está associada à integralização de um determinado prejuízo que, inicialmente, não foi identificado. Entretanto, a demora da identificação dessas irregularidades também pode ocasionar prejuízo para a gestão do fundo e para a efetividade do processo punitivo.


787. Isso pode gerar um contexto de impunidade, bem como risco decorrente do prolongamento da espera por uma punição que pode possibilitar que os gestores que cometem falhas permaneçam em seus cargos por um longo período de tempo, ou até mesmo que a punição de afastamento do cargo perca totalmente a sua eficácia, pois os responsáveis já não exercem mais suas funções junto ao fundo de pensão quando da aplicação da sanção.


788. Essa demora foi verificada em alguns casos, como, por exemplo, no Auto de Infração nº 02/2016, da Funcef. Segundo o relatório do AI, a irregularidade, que teria ocorrido na aprovação e aquisição de cotas do Fundo de Investimentos em Participações Cevix (FIP Cevix) , ocorreu desde 2009; porém, o auto de infração somente foi lavrado em março de 2016, ou seja, quase sete anos após a ocorrência dos fatos em questão.


789. Ou seja, o início da apuração dos fatos, bem como a análise dos procedimentos de justificativa para sua ocorrência (defesa) começaram quase sete anos após a aprovação do investimento, contribuindo para um contexto de impunidade e reduzindo os efeitos das punições propostas.

790. O segundo momento que colabora para a demora na punição de responsáveis é o longo tempo após a abertura do auto de infração. Nesse sentido, ainda tratando do AI 02/2016, segundo a Nota técnica 297/2017, os responsáveis começaram a apresentar suas defesas, em abril/2016, alegando questões preliminares associadas aos argumentos de mérito.

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IV.3.11.5 Punição desproporcional ao evento que gerou o auto de infração e com baixo potencial dissuasório


797. Em alguns dos casos analisados, irregularidades graves que causaram prejuízos de centenas de milhões de reais aos cofres dos fundos de pensão resultam em punições como a uma multa e/ou a pena de inabilitação, muitas vezes consideradas pouco significativas em relação ao prejuízo causado.

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IV.3.11.8 Conclusão

821. A despeito de os autos de infração analisados serem especificamente relativos a casos de investimentos com indícios de irregularidade da Funcef e Petros relatados na CPI dos Fundos de Pensão, os indícios detectados demonstram vulnerabilidades no processo de análise e tratamento de autos de infração por parte da Previc.


822. Verificaram-se deficiências relativas ao estabelecimento de critérios de responsabilização de gestores, bem como do detalhamento de suas responsabilidades em cada caso concreto. Problemas relativos à tempestividade e proporcionalidade das punições também foram detectados por essa equipe de auditoria. Ademais, a presença de nulidades nos autos de infração que impediram a responsabilização dos gestores de fundos de pensão e dificuldades relativas à organização dos processos eletrônicos demonstram a necessidade de trabalho de fiscalização na área de processamento e julgamento dos autos de infração da Previc.


823. Nesse sentido, uma fiscalização poderia avaliar a eficácia, a efetividade, e os procedimentos de organização desses autos, bem como todo o processo de constituição desses importantes procedimentos de apuração, especialmente no que diz respeito à responsabilização de gestores de fundos de pensão e à aplicação de punição aos mesmos.


Esse documento histórico, de 156 páginas, comprova e detalha as falhas da Previc na fiscalização dos fundos de pensão das estatais, e serve para comprovar a necessidade de melhoria de todo o sistema.

3. Sistema não respeitou o Princípio da compatibilidade vertical


O sistema de fundos de pensão foi criado em 1977, na época da ditadura militar[6]. Tão autoritário quanto a própria ditadura, não respeitou o Princípio da compatibilidade vertical desde o início.


Por esse princípio, uma norma inferior deve respeitar toda a legislação pátria que lhe é hierarquicamente superior, ou seja, toda a legislação pátria vigente. Assim, os contratos de locação devem ser redigidos de conformidade com a Lei nº 8.245/91; os de financiamento imobiliário pela Lei nº 4.380/64 (garantidos por hipoteca) ou Lei nº 9.514/97 (garantidos por alienação fiduciária).


Nesse contexto, os estatutos e regulamentos da previdência complementar deveriam ser redigidos nos estritos limites das normas de ordem pública disciplinadoras da matéria. Os regulamentos dos fundos de pensão deveriam ter observado, desde o princípio, toda a legislação reguladora do sistema (Lei Ordinária nº 6.435/77 no início), a Lei Complementar nº 108/2001 (custeio) e 109/2001 (benefícios), dentre outros e, acima de tudo a Constituição Federal.


Décadas mais tarde, quando surgiram os déficits bilionários, houve nova afronta ao Princípio da compatibilidade vertical, quando o Conselho de Gestão da Previdência complementar - CGPC passou a legislar contra os participantes, usurpando a competência dos conselhos deliberativo e fiscal.


Para demonstrar essa hierarquia, coloquemos os atos do Conselho Nacional de Previdência Complementar - CNPC (antigo CGPC) e das Entidades Fechadas de Previdência Complementar - EFPC ou fundos de pensão na Escala de Kelsen:


. Constituição Federal

. . Emendas à Constituição

. . . Lei Complementar

. . . . Lei Ordinária

. . . . . Lei Delegada e Medida Provisória

. . . . . . Decreto Legislativo

. . . . . . . Resolução do CNPC

. . . . . . . . Estatutos e regulamentos das EFPC - fundos de pensão

. . . . . . . . . Contratos

Esse fato está demonstrado no artigo intitulado "Ingerência patronal e política está destruindo os fundos de pensão".


4. Sistema afrontou a irretroatividade da norma jurídica

Em flagrante afronta às regras do direito intertemporal, alguns fundos de pensão inseriram regras lesivas retroativas em seus estatutos, as quais foram aprovadas pelo órgão regulador e fiscalizador (SPC, hoje Previc). É o caso do lesivo redutor implantado retroativamente pelo Economus, 15 anos após a adesão de todos os trabalhadores admitidos antes da implantação da previdência complementar no país. Uma afronta à ordem jurídica e aos trabalhadores.


4.1. Sistema não respeito o ato jurídico perfeito

O sistema de previdência complementar também não respeitou o ato jurídico perfeito. Pela regra do direito pátrio o contrato válido é um ato jurídico perfeito, regido pela norma vigente ao tempo de sua celebração - tempus regit actum, não sendo passível de modificação unilateral posterior. O contrato de previdência complementar patrocinada é de natureza onerosa.


Os grandes mestres como Orlando Gomes e os doutrinadores previdenciários são unânimes em defender o respeito ao ato jurídico prefeito também em matéria de previdência complementar. Vejamos a lição do mestre previdenciário, Wladimir Novaes Martinez sobre a matéria[7]:

Tanto quanto a coisa julgada e o direito adquirido, o ato jurídico perfeito é observado no Direito Previdenciário Complementar. Legitimamente praticado o procedimento administrativo, não pode ser refeito por norma superveniente. Seu limite é apenas a vontade do interessado, respeitada como manifestação do direito privado.

No mesmo sentido, a lição do mestre e pesquisador da Universidade de Harvard, Arthur Bragança de Vasconcelos Weintraub[8]. Ele defendeu o respeito ao ato jurídico perfeito no “saldamento” do Plano de Benefício Definido – BD, com a criação do Plano de Contribuição Variável – CV para os trabalhadores da ativa[9]:


A mudança de um sistema para outro deve respeitar o ato jurídico perfeito (contrato), além do direito adquirido dos participantes. De qualquer forma, a adesão dos participantes (ou mesmo dos atuais aposentados) deve ser voluntária.


Essas regras básicas não foram respeitadas pelos fundos de pensão. Desde o início o sistema instituiu, através do Decreto nº 81.240/78, um limite de idade de 55 anos para os trabalhadores da iniciativa privada, sem que houvesse tal previsão na legislação vigente. E continua não havendo até hoje porque a Constituição da República de 1988 não recepcionou esse resquício da ditadura. Em seu artigo 201, § 7º, II a CR/88 só previu tempo de serviço de 35 anos para homens e 30 para mulheres. Também pela regra do direito pátrio, o acessório deve seguir o principal.



4.2. Limite de idade sem lastro causou uma caríssima batalha judicial


O Decreto nº 81.240 de 20.01.1978, que em seu artigo 31 inciso IV introduziu o limite de idade na previdência complementar, foi assinado pelo General Ernesto Geisel. Posteriormente, em 2001, o Decreto nº 3.721, de 08.01.2001, em seu artigo 31 tentou manter o limite de idade, modulando seus efeitos, mas sucumbiu à batalha judicial travada pelos grandes fundos de pensão do país como a PREVI e também pela ANAPAR – Associação Nacional dos Participantes de fundos de pensão.


O Decreto nº 81.240/78 foi revogado pelo Decreto nº 4.206/2002, deixando um rastro de prejuízos para os trabalhadores. Mesmo assim continua figurando no regulamento de muitos fundos de pensão, como do Economus, num descaso total para com os trabalhadores.


Ora, o contrato é um acordo de vontades e, pela regra geral do direito pátrio deve respeitar toda a legislação que lhe é hierarquicamente superior, como as leis ordinárias, lei complementar, até a Constituição Federal.


Essa batalha judicial prejudicou os trabalhadores com o alto custo dos depósitos recursais trabalhistas, uma vez que os fundos de pensão não dispõem de verbas para esse fim, e acabaram gerando mais déficit. Para percorrer todas as instâncias trabalhistas o fundo de pensão gasta R$ 62.717,41. Portanto, as falhas da legislação aumentaram o déficit dos fundos de pensão, prejudicando milhares de trabalhadores participantes do sistema.


5. Disparidade entre a previdência oficial e a complementar causou prejuízos


A criação de regra diversa no sistema de previdência complementar, como o limite de idade destituído de amparo legal, causou insegurança jurídica, prejuízos e levou ainda à demissão em massa. Milhares de trabalhadores foram demitidos no limiar da aposentadoria, com enormes prejuízos pelo resto da vida. Eles cumpriram o tempo de serviço previsto na Constituição Federal, de 30 anos para mulher e 35 para homens, mas sofreram prejuízos por não ter os 55 anos de idade imposto pela ditadura militar.


Nem mesmo o Acordo Coletivo da estabilidade pré-aposentadoria conseguiu evitar a demissão em massa de milhares de trabalhadores. Havia um acordo firmado pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo com a finalidade de garantir a estabilidade nos 2 (dois) últimos anos antes da aposentadoria. No entanto, não conseguiu impedir a demissão em massa em 2004, isto porque o acordo valia apenas em relação ao sistema de aposentadoria oficial - INSS, cujo prazo era de 30 anos de contribuição para mulher e 35 para homens, sem previsão de limite de idade (artigo 201, § 7º, incisos I e II da CF/88). Quem ingressou no mercado de trabalho aos 18 anos completou o tempo previsto na CF/88 na faixa dos 50 anos, acabou ficando vulnerável à demissão “branca” através da “elegibilidade” aos falsos PDVs.


Ora, se a aposentadoria é um direito fundamental destinado a garantir a dignidade do trabalhador na velhice, a complementação do Plano de Benefício Definido – BD, também o é, sobretudo porque na maioria dos casos a complementação é maior que a própria aposentadoria oficial.


Nesse contexto, a previdência complementar deve seguir os mesmos critérios da previdência oficial, dado o seu caráter de acessoriedade reconhecido pelos doutrinadores e pela própria lei.


6. Sistema não definiu regra para complementação proporcional


Além de ter nascido repleto de falhas, o sistema não acompanhou a evolução da legislação da previdência oficial (INSS), da qual é acessório. Quando foi criada no Brasil a regra da aposentadoria proporcional, aos 25 anos contribuição para mulheres e 30 para homens, o sistema não definiu regras para a complementação proporcional, deixando o assunto ao arbítrio de cada fundo de pensão.


A maior parte dos grandes fundos respeitou a regra da previdência oficial e estabeleceu a proporcionalidade em meses, de 360 meses para mulheres e 420 meses para homens, mas os fundos menores adotaram regras lesivas como o famigerado redutor etário, sem qualquer amparo legal.


6.1. Pelo menos 3 (três) fundos de pensão adotaram redutor etário lesivo


Mais uma vez o Economus é o exemplo porque implantou um redutor etário extremamente lesivo, usando, indevidamente, a lei da previdência social. Além do Economus, o Portus e a Fundação Sistel também impuseram esse redutor lesivo.


A lei de Previdência Social regrou a aposentadoria proporcional do INSS prevendo um acréscimo de 6% a cada ano trabalhado em relação ao tempo máximo de serviço previsto na Constituição Federal (dos 25 aos 30 anos previstos para mulheres e dos 30 aos 35 para homens), partindo de 70% até atingir 100%. Essa regra está expressa no artigo 53, inciso I da Lei 8.213/91, da seguinte forma:


Mulher - tempo de serviço Homem – tempo de serviço Aposentadoria INSS - percentuais

25 anos 30 anos 70%

26 anos 31 anos 76%

27 anos 32 anos 82%

28 anos 33 anos 88%

29 anos 34 anos 94%

30 anos 35 anos 100%


Nesse dispositivo legal não existe qualquer alusão à idade do trabalhador, mas tão somente ao tempo de serviço, hoje tempo de contribuição ao INSS. Veja-se agora a origem absurda do redutor inventado por esses dois fundos de pensão (Economus e Portus). Em flagrante afronta ao Princípio da Compatibilidade Vertical, foi aplicada a Lei Previdenciária do INSS relativa a TEMPO DE SERVIÇO na previdência complementar onerosa em relação à IDADE:


Lei 8213/91: um ACRÉSCIMO de 6% para cada ano DE SERVIÇO - de 25 até 30 anos

Economus: uma REDUÇÃO de 6% para cada ano faltante DE IDADE para 55 anos.


Essa é a forma mais absurda de aplicabilidade de uma lei. Esse lesivo redutor penaliza todos os empregados, mesmo aqueles que contribuíram para o INSS pelo prazo máximo estabelecido pela Constituição da República, de 30 anos para mulheres e 35 anos para homens (art. 207, § 7º, inciso I). Alguns trabalhadores chegaram a perder 52% da complementação pelo resto da vida.


Além do Economus, o Portus também adotou esse tipo de redutor de 6% por ano, usando indevidamente a lei da previdência oficial. Já a Fundação Sistel adotou um redutor 90% da média salarial a partir de 1992, como se observa de uma decisão da decisão do TRT01 – Rio de Janeiro (RR - 160240-81.2000.5.01.0010).


A legislação do sistema de previdência complementar precisa ser revista em regime de urgência. É preciso restabelecer a segurança jurídica de todo o sistema de fundos de pensão.


Atualizado em 06.06.2018.

 

[1] Processo nº 0031466-79.2007.4.03.6100 Just. Federal, posteriormente remetido para a Justiça Estadual - Proc. 0121696-48.2010.8.26.0100, hoje em 2ª instância.

[2] Funcionário não pode arcar com déficit do Economus. Redação. SP Bancários, 03/fevereiro/2017. Disponível em: http://www.spbancarios.com.br/Noticias.aspx?id=17308

[3] Economus, que tem Banco do Brasil como patrocinador, pode ter déficit de R$ 2 bi. Estadão. Coluna do Broadcast, 08/out/2017. Disponível em: http://economia.estadao.com.br/blogs/coluna-do-broad/econumus-que-tem-banco-do-brasil-como-patrocinador-pode-ter-deficit-de-r-21-bi/

[4] Saldamento é a quitação de um plano de previdência complementar.

[5] Relatório de Levantamento. TCU, Acórdão nº 595/2018, Relator José Múcio Monteiro, Data: 21.03.2018. Disponível em: https://contas.tcu.gov.br/pesquisaJurisprudencia/#/detalhamento/11/%252a/NUMACORDAO%253A595%2520ANOACORDAO%253A2018/DTRELEVANCIA%2520desc%252C%2520NUMACORDAOINT%2520desc/false/1/false Acesso em 18.04.2018.

[6] O sistema de fundos de pensão foi criado pela Lei nº 6.435 de 15 de julho de 1977, assinada pelo General Ernesto Geisel.

[7] MARTINEZ, Wladimir Novaes, Curso de Direito Previdenciário, Tomo IV Previdência Complementar: 2. Ed. São Paulo: LTr, 2002, item 99, pág. 66.

[8] Arthur Bragança de Vasconcelos Weintraub é mestre e doutor em Direito Previdenciário pela USP. Além de ser professor de Direito Previdenciário, é pesquisador convidado da Faculdade de Direito da Universidade de Harvard. Ele participou da Audiência Pública da Reforma da Previdência em março/2017.

[9] WEINTRAUB, Arthur Bragança de Vasconcelos. Previdência Privada: Atual conjuntura e sua função complementar ao regime geral da Previdência Social. 2ª ed. São Paulo: Ed. Juarez de Oliveira, 2003, pág. 116.

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