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Sobre a Autora 

Fátima Diniz Castanheira é advogada em São Paulo, especializada em Direito dos Contratos e pesquisadora independente da previdência complementar patrocinada – fundos de pensão.

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Mais uma investida contra os participantes dos fundos de pensão

Querem usurpar a competência do conselho fiscal dos fundos de pensão; neutralizar os representantes dos trabalhadores. Está em estudo a criação de um órgão de controle, sem previsão em lei: um Comitê de Auditoria composto por três a cinco membros contratados no mercado.


1. Tentativa de usurpação de competência do conselho fiscal dos fundos de pensão


Segundo o Boletim de 31/outubro/2017 da Associação Nacional dos Participantes de Fundos de Pensão - Anapar, a Previc, órgão fiscalizador, apresentou a minuta[1] de uma Resolução do Conselho Nacional de Previdência Complementar - CNPC, para criação de um órgão de controle, sem previsão em lei. Também esse boletim comprova a falha na fiscalização dos fundos.


Dada a importância da matéria, transcrevemos na íntegra o citado boletim[2].


Resolução obriga fundos de pensão a contratar agentes do mercado para cuidar dos recursos do trabalhador.

Com mais uma iniciativa de interferência na gestão dos fundos de pensão, a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) apresentou na reunião passada minuta de Resolução no Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC), que cria órgão de controle sem previsão em Lei. A Anapar pediu vistas do processo.


A novidade é que as Entidades Sistemicamente Importantes (ESI), assim classificadas pela Previc (sem a aprovação do CNPC), deverão instituir um Comitê de Auditoria composto por três a cinco membros contratados no mercado, para a fiscalização permanente dessas entidades.


“A Anapar não se opõe à fiscalização, muito pelo contrário. Acontece que esses membros de mercado vão usurpar um papel que na verdade é do Conselho Fiscal, esvaziando as funções desse órgão de controle. Com esse poder que está sendo conferido ao Comitê, todos os gestores estarão submetidos a ele”, explica a vice-presidente da Anapar, Cláudia Ricaldoni.

Cláudia lembra que a Anapar sempre defendeu regras claras e transparentes na gestão das entidades, com gestão paritária na Diretoria Executiva, o fim do voto de qualidade no Conselho Deliberativo e na Diretoria, certificação de processos e não de dirigentes.


“Sempre foram os participantes os principais interessados na melhoria das regras de governança, mas o que vemos hoje é o Estado brasileiro defendendo o interesse de patrocinadores e não dos participantes e interferindo de forma indevida numa relação privada, pois apesar de muitas patrocinadoras serem empresas públicas ou estatais, as entidades fechadas são entidades de direito privado”, aponta.


A vice-presidente explica que a medida colocada por meio de Resolução foi uma forma de contornar o PLP 268, que não foi aprovado, para trazer os agentes de mercado e dessa forma manter as entidades sob uma espécie de intervenção permanente, alterando por meio de Resolução a sua estrutura de governança das entidades.


“Resta saber por que os participantes estão contribuindo para o pagamento da TAFIC que financia a PREVIC, já que o órgão fiscalizador definiu que vai fiscalizar com mais atenção somente 17 entidades e mesmo para essas está terceirizando sua função para o Comitê de Auditoria”, questiona.


Para debater melhor a proposta de resolução, a Anapar convocará uma plenária com os dirigentes de fundos de pensão, para o dia 21 de novembro, na sua sede em Brasília, com o objetivo de construir uma proposição alternativa a que está sendo apresentada.


2. Falha comprovada na fiscalização dos fundos de pensão


Como assim? Os trabalhadores pagam a TAFIC para financiar a Previc – o órgão fiscalizador, mas este fiscaliza “com atenção” somente 17 entidades? E o restante?


O Brasil tem mais de 220 fundos de pensão deficitários e 77,6 bilhões de déficit. Milhares de trabalhadores estão sofrendo descontos compulsórios para equacionamento de déficits de todos os matizes, inclusive da má-gestão e da corrupção. Nos casos mais graves o desconto já chegou em absurdos 74,69% e continuará lesando os aposentados pelos próximos 15 a 20 anos, como demonstrado no artigo intitulado "Déficits não param de crescer", de 11/out/2017.


Em 2016, o Projeto de Lei Complementar - PLP nº 268/2016 pretendia instituir a contratação de conselheiros independentes, reduzindo ainda mais a participação dos trabalhadores no destino dos fundos de pensão. No entanto, sofreu resistência por parte dos trabalhadores. Em 02/06/2016, o FIDEF - Fórum Independente em Defesa dos Fundos de Pensão, divulgou Carta Aberta aos Deputados Federais contra esse PLP[3]. Em 02.05.2017 chegou ao Plenário da Câmara, mas a matéria não foi apreciada em razão do encerramento da sessão. Portanto, continua a tramitar [4]. As falhas na fiscalização foram demonstradas no artigo intitulado "Falhas estruturais dos fundos de pensão".


A ingerência política já neutralizou o conselho deliberativo dos fundos de pensão, de forma absolutamente ilegal. A Resolução CGPC nº 26/2008 em seu artigo 25 autorizou o rateio do superávit pelo patrocinador e no artigo 28 determinou a postergação do equacionamento para 3 anos depois da sua contatação, prejudicando o futuro de milhares de trabalhadores. A Resolução CNPC nº 13/2013 manteve essas ilegalidades. Agora querem calar a voz do conselho fiscal.


3. Nova afronta ao Princípio da compatibilidade vertical


Uma Resolução do CNPC não tem poder para alterar a Lei Complementar nº 108/2001 que lhe é hierarquicamente superior. Dessa forma, a mudança pretendida só poderia ser feita através de um Projeto de Lei, com ampla discussão nas duas casas legislativas. Eis a previsão legal sobre a formação do conselho fiscal:


Lei Complementar nº108 de 29.05.2001:

Art. 15. A composição do conselho fiscal, integrado por no máximo quatro membros, será paritária entre representantes de patrocinadores e de participantes e assistidos, cabendo a estes a indicação do conselheiro presidente, que terá, além do seu, o voto de qualidade.


Pelo Princípio da compatibilidade vertical, uma norma inferior deve respeitar toda a legislação hierarquicamente superior. Para visualizarmos a hierarquia das normas jurídicas, coloquemos os atos do CNPC e das Entidades de Previdência Complementar - EFPC ou fundos de pensão na Escala de Kelsen:


. Constituição Federal

. . Emendas à Constituição

. . . Lei Complementar

. . . . Lei Ordinária

. . . . . Lei Delegada e Medida Provisória

. . . . . . Decreto Legislativo

. . . . . . . Resolução do Conselho Nacional de Previdência Complementar - CNPC

. . . . . . . . Estatutos e Regulamentos das EFPC - fundos de pensão

. . . . . . . . Contratos


Por esse princípio, a Resolução do CNPC deve respeitar a previsão da Lei Complementar nº 108/2001 que rege o custeio de todo o sistema de previdência complementar.


Além disso, é preciso convir que a contratação desse Comitê traria mais despesas para esses fundos deficitários, já totalmente desfalcados. Seria mais uma conta a ser paga pelos trabalhadores; mais uma fonte de déficit. Portanto, é absolutamente inviável.


Esse episódio veio confirmar a falha existente na fiscalização do sistema de previdência complementar brasileiro, desde o princípio. É evidente que essa falha precisa ser sanada, mas a decisão há de ser tomada depois de amplo debate, sem neutralizar o conselho fiscal.


Texto atualizado em 30.04.2018.

 

[1] Minuta é o esboço ou rascunho de um contrato, norma ou estatuto.

[2] Resolução obriga fundos de pensão a contratar agentes do mercado para cuidar dos recursos do trabalhador. Boletim da Anapar, 31/out/2017. Disponível em: http://www.anapar.com.br/?p=29625

[3] LESSA, Rogério. Carta aberta aos deputados federais. Aepet, 07/jun/2016. Disponível em: http://www.aepet.org.br/noticias/pagina/13528/FIDEF-Carta-Aberta-aos-Deputados-Federais Acesso em 01.11.2017.

[4] [2] Projeto de Lei Complementar PLP 268/2016. Acompanhamento disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2082269


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