Nova Previdência de Paulo Guedes (Parte 4): ignorou a insegurança dos fundos de pensão, causadora de
O projeto de reforma da Previdência causou perplexidade porque em vez de sanar as falhas dos fundos de pensão, tentou transferir a insegurança jurídica deles para a Previdência pública dos servidores da União, dos estados, dos municípios e do Distrito Federal. Tentou impor aos servidores públicos as contribuições extraordinárias para cobrir déficit de qualquer natureza.
A falha é imperdoável porque ainda existem milhares de trabalhadores vinculados aos fundos de pensão nos antigos planos de Benefício Definido – BD. Eles estão sofrendo descontos extraordinários para cobertura de déficit em alíquotas crescentes de até 74,69% por mês. Esses planos mutualistas (de conta coletiva) foram segregados com a adoção da capitalização para os novos, e hoje acumulam déficits bilionários. Os participantes não podem migrar para outro plano porque não há como individualizar suas contribuições desse plano coletivo, sobretudo porque todos os Planos BD segregados estão deficitários.
O sistema de fundos de pensão no Brasil é semelhante a um cruzeiro, um sonho acalentado por milhares de trabalhadores que durante décadas eles pagaram seus planos para garantir uma vida digna após a aposentadoria. Jovens e idosos embarcaram felizes nesse transatlântico previdenciário, mas, no meio do oceano, os novos saíram com seus barquinhos levando seus suprimentos, deixando os idosos em alto mar à deriva, à míngua de recursos porque o fundo de pensão estava desfalcado.
1. Suicídios mancharam a história da Previdência Complementar no Brasil
O sistema de Previdência Complementar brasileiro sempre foi repleto de falhas que possibilitaram o enriquecimento dos poderosos patrocinadores, num sistema dominado pela ingerência política, por isso jamais foram sanadas.
A história registrou a ocorrência de muitos suicídios, principalmente de bancários, no final do século passado e início deste. Esses suicídios ficaram registrados num trabalho acadêmico da Universidade de Brasília e um antigo blog dos funcionários do Banco do Brasil chamado “história dos demitidos do BB”. Nesse blog foi divulgada uma lista de 16 suicídios de funcionários do Banco Brasil, ocorridos na época da histórica demissão em massa de 15.000 trabalhadores em 1995. As contribuições patronais dos demitidos, além de sanar o déficit da Previ, ainda causou um superávit bilionário, que foi dividido, metade para o patrocinador e metade para os servidores ativos que nada fizeram por merecer tal benesse. Esse fenômeno ocorreu em muitos outros fundos de pensão. É um absurdo[1].
2. Déficit bilionário foi jogado nos ombros dos trabalhadores na forma de descontos extraordinários
O voto de Minerva retirou das mãos dos participantes o controle sobre o destino dos recursos. Posteriormente, decretos permitiram que os fundos fossem governados por portarias, sem passar pelo Congresso Nacional[2].
O resultado foi trágico: um déficit de R$ 77,6 bilhões em 220 fundos de pensão em 2017, principalmente nos fundos Previ, Petros, Funcef e Postalis. Em 2019, o déficit está menos da metade, não que tenha melhorado a governança, mas porque foi renegociado e jogado sobre os ombros dos trabalhadores, na forma de contribuições extraordinárias, mediante débito compulsório no holerite. No caso da Fundação Petros (dos funcionários da Petrobras) já chegou a 74,69%. É um sistema cruel e desumano que precisa ser revisto[3].
Os déficits dos fundos de pensão têm várias causas estruturais. De nada adianta o órgão fiscalizador Previc lavrar Autos de infração, se ninguém exige seu cumprimento, uma vez que a diretoria do fundo é “indicada” pela diretoria do patrocinador. O sistema está dominado pela ingerência patronal e política[4].
No final de 2017, ante a gravidade do déficit de R$ 77,6 bilhões, o sistema teve a fiscalização reforçada, mas só nos maiores e mais problemáticos fundos de pensão, os quais foram denominados como Entidades Sistemicamente Importantes – ESI. A fiscalização foi reforçada por um comitê externo, mas só nas 17 maiores entidades. As outras mais de 200 continuaram sujeitas a todo tipo de desfalque[5].
3. Não existe regra para os fundos de pensão nas incorporações e privatizações
O sistema de Previdência Complementar não previu o destino dos fundos de pensão nas incorporações e nas privatizações, em flagrante desacordo com a legislação brasileira. Os trabalhadores das empresas incorporadas são discriminados, quando não demitidos. O Banco do Brasil foi multado por discriminar os trabalhadores de três bancos incorporados e entrou para a história.
O Brasil não pode continuar ignorando essa falha danosa, sobretudo agora quando se pretende retomar as privatizações. é preciso tratar com dignidade esses recursos destinados à cobertura do complemento do direito fundamental aposentadoria.
4. Falhas levaram à demissão em massa para ocultação de déficit
Com as falhas, demitir é vantajoso para o empregador porque o trabalhador só leva suas contribuições, deixando no fundo de pensão as contribuições patronais. Muitos déficits bilionários foram camuflados com essa tática nefasta. Da mesma forma, houve muito enriquecimento dos patrocinadores com esses valores deixados pelos demitidos[6].
Não é à toa que o país tem 13 milhões de desempregados e está com as contas públicas em frangalhos. Com a destruição da classe média, esses desempregados e seus familiares perderam planos de saúde e foram sobrecarregar o Sistema Único de Saúde - SUS. Perderam a renda e tiveram de mudar os filhos para a escola pública, sobrecarregando o estado e os municípios. Além de tudo isso, esse desemprego em massa impactou a Previdência porque de um dia para outro o trabalhador parou de contribuir.
Milhares de trabalhadores foram demitidos através dos falsos Planos de Demissão Voluntária - PDV direcionado a quem estava no limiar da aposentadoria. Eles tinham completado o tempo de contribuição, mas faltava o requisito idade, imposto pelo fator previdenciário. Esses saíram com aposentadoria pela metade e estão condenados a trabalhar pelo resto da vida.
5. Operação Greenfield precisa ser estendida a todos os fundos deficitários
É preciso que o Ministro Sérgio Moro amplie a Operação Greenfield para todos os 220 fundos deficitários, identificando as causas do déficit, se foi sonegação das contribuições patronais, má gestão, fraude ou corrupção. E mais: é preciso envidar esforços para determinar a reposição desses recursos faltantes.
Nesse contexto de déficits bilionários, é preciso apurar os números e as causas do déficit, atual e futuro, adequando o projeto de reforma da Previdência às reais necessidades do país.
6. Sonegação da contribuição patronal precisa ser punida com rigor
O maior defeito do sistema previdenciário brasileiro, tanto da Previdência pública quanto da Complementar é permitir a sonegação das contribuições patronais. Isso precisa acabar. O Brasil precisa criar mecanismos de controle rígido para coibir esses abusos.
7. É preciso acabar com a quebra de contrato nos fundos de pensão
O maior erro cometido no sistema de fundos de pensão brasileiro foi a permissão para mudança do Regulamento, em flagrante ofensa ao ato jurídico perfeito, protegido pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XXXVI.
Nos fundos de pensão da iniciativa privada, o maior erro de todos os tempos foi a adoção da capitalização (de contas individuais) para os novos, segregando Planos de Benefício Definido – BD (plano solidário de conta coletiva) através da mudança de regulamentos. Esses planos antigos estão perecendo, mergulhados em déficits bilionários. Ao longo de 42 anos de existência, muitas regras prejudiciais foram introduzidas na mudança dos regulamentos, prejudicando a milhares de trabalhadores em todo o país.
É preciso modificar os artigos 17 e 68 da Lei Complementar 109/2001.
8. É preciso acabar com a ingerência governamental
Outra falha grave do sistema é o fato de este ser governado por normas (resoluções e portarias), sem apreciação pelo Congresso Nacional. Essas normas são elaboradas no interesse dos banqueiros, do empresariado, dos consultores das empresas de auditoria, em prejuízo de milhares de participantes do sistema de fundos de pensão. Eis alguns exemplos dessa anomalia:
Resolução CGPC Nº 25. A mais recente medida prejudicial a todos os fundos de pensão do país é a Resolução nº 25 da Comissão Interministerial de Governança Corporativa e de Administração de Participações Societárias (CGPAR). Essa norma impôs, de forma unilateral e abusiva, a terceirização da gestão dos fundos de pensão. Ela deu aos patrocinadores o direito de transferir unilateralmente a gestão desses planos para outra administradora, como bancos e seguradoras. Ou seja, destruiu a estrutura dos planos (conselhos deliberativo e fiscal) estabelecida na lei complementar reguladora do sistema.
Resolução nº 4661 do CMN. Essa regra lesiva foi introduzida nos fundos de pensão pelo Conselho Monetário Nacional – CMN. Em seu artigo 37, § 5º obriga os fundos a vender os imóveis no prazo de 12 anos. O problema é que muitos fundos têm imóveis alugados por longo prazo, cujos rendimentos garantem o pagamento das complementações. Obrigá-los a vender imóvel alugado em época de crise como agora é uma insanidade, é prejudicar milhares de trabalhadores. Em São Paulo existem imóveis à venda há mais de 10 anos, deteriorando, sem nenhuma perspectiva. Essa medida interessa somente aos investidores ligados à cúpula do sistema, ávidos por adquirir esses imóveis por preço vil, como ocorre nos leilões.
Uma norma hierarquicamente inferior jamais poderia modificar uma lei complementar. Esse fato constitui uma afronta ao Princípio da compatibilidade vertical. Esse é um defeito antigo do sistema, denunciado desde o início desta pesquisa[7].
É preciso revogar essas regras lesivas e restabelecer a garantia de pagamento das complementações a milhares de trabalhadores.
Conclusão. O Brasil não pode mais continuar ignorando a tragédia dos fundos de pensão. É preciso corrigir as falhas, restabelecendo a segurança jurídica de todo o sistema.
Este artigo é um resumo deste blog, da parte relativa aos fundos de pensão, e objetiva dar aos parlamentares incumbidos de apreciar o projeto da Nova Previdência, uma ideia geral das falhas a serem corrigidas.
O Brasil precisa tratar a Previdência Complementar com dignidade.
Atualizado em 22.03.2019.
[1] CASTANHEIRA, Fátima Diniz. Ingerência patronal e política está destruindo os fundos de pensão (Parte 1). Blog Idade com Dignidade, São Paulo, 13/nov.2017, item 2.1. Disponível em: https://www.idadecomdignidade.com.br/single-post/2017/10/20/Inger%C3%AAncia-patronal-e-pol%C3%ADtica-est%C3%A1-destruindo-os-fundos-de-pens%C3%A3o-Parte-1
[2] CASTANHEIRA, Fátima Diniz. Ingerência patronal e política está destruindo os fundos de pensão (Parte 2). Blog Idade com dignidade, 13/nov/2017. Disponível em: https://www.idadecomdignidade.com.br/single-post/2017/11/13/Inger%C3%AAncia-patronal-e-pol%C3%ADtica-est%C3%A1-destruindo-os-fundos-de-pens%C3%A3o-Parte-2
[3] CASTANHEIRA, Fátima Diniz. Déficits dos fundos de pensão não param de crescer. Blog Idade com dignidade, São Paulo, 11/out/2017. Disponível em: https://www.idadecomdignidade.com.br/single-post/2017/10/11/D%C3%A9ficits-dos-fundos-de-pens%C3%A3o-n%C3%A3o-param-de-crescer
[4] CASTANHEIRA, Fátima Diniz. Causas dos déficits dos fundos de pensão. Blog Idade com dignidade, 17/out/2017
[5] Conselho fiscal foi neutralizado. Participação dos trabalhadores nos fundos de pensão é letra morta. Blog Idade com dignidade, 08/fev/2018. Disponível em:
[6] CASTANHEIRA, Fátima Diniz. Falhas estruturais dos fundos de pensão. Blog Idade com dignidade, 16/out/2017. Disponível em: https://www.idadecomdignidade.com.br/single-post/2017/10/16/Falhas-estruturais-do-sistema-de-fundos-de-pens%C3%A3o-1
[7] CASTANHEIRA, Fátima Diniz. Falhas estruturais dos fundos de pensão. Blog Idade com dignidade, 16/out/2017. Disponível em: https://www.idadecomdignidade.com.br/single-post/2017/10/16/Falhas-estruturais-do-sistema-de-fundos-de-pens%C3%A3o-1