top of page
Sobre a Autora 

Fátima Diniz Castanheira é advogada em São Paulo, especializada em Direito dos Contratos e pesquisadora independente da previdência complementar patrocinada – fundos de pensão.

Mais ...

Reforma da Previdência Complementar (Parte 1): FUNPRESP precisa de um sistema seguro

Em 2012, o Brasil criou a Funpresp – o fundo de pensão dos servidores públicos Federais. Os servidores antigos têm até meados de 2018 para aderir, mas muitos estão receosos devido ao déficit de 77,6 bilhões do sistema atual e das falhas na fiscalização.


A Funpresp – Fundação de Previdência Complementar dos Servidores Públicos foi instituída através Lei nº 12.618, de 30 de abril de 2012. Ela tem por objeto a complementação da aposentadoria. Ou seja, complementar a parcela acima do teto previdenciário, de modo a manter o mesmo padrão de vida do trabalhador. O teto previdenciário é de R$ 5.531,31 em 2017.


Foram criadas: a Funpresp-Jud para os servidores do Judiciário; a Funpresp-Exe para os do Executivo; e a Funpresp-Leg para os do legislativo. Todas são regidas pela supramencionada lei e pela regra geral da Previdência Complementar, ou seja, pela Lei Complementar nº 108/2001 (custeio) e pela Lei Complementar 109/2001 (benefícios).


A Funpresp difere dos antigos fundos de pensão sob dois aspectos. Primeiro porque já começou no sistema de contas individuais, pelo Plano de Contribuição Definida – CD, sem os riscos e prejuízos da segregação, mas sujeita aos riscos inerentes a essa espécie de plano (vide Glossário). Segundo porque permite a portabilidade, ou seja, ao se desligar do patrocinador, o participante pode levar seu fundo de pensão para outra entidade operadora de Previdência Complementar.


No sistema geral, a portabilidade só foi implantada em 17.11.2014, para os planos que possuam benefícios estruturados no regime financeiro de capitalização[1]. A mudança só aconteceu depois de muita discussão, mas, sobretudo, após a repercussão negativa causada pelo rateio bilionário do superávit pelos patrocinadores[2].


No entanto, a Funpresp depende do sistema atual no quesito fiscalização – o ponto vulnerável dos fundos de pensão. Como demonstrado neste blog, o sistema de previdência complementar patrocinado tem falhas estruturais graves, sobretudo na fiscalização[3].


Em recente notícia foi demonstrado que apenas 17 (dezessete) fundos estão sendo fiscalizados com a atenção devida[4]. Além disso, o sistema atual padece com a ingerência patronal e política[5]. Vejamos os fatos históricos:


1. Ingerência patronal - Voto de Minerva instituído em 2001


O sistema de Previdência Complementar brasileiro foi instituído através da Lei nº 6.435/77. Posteriormente passou a ser disciplinado pela Lei Complementar nº 108/2001 (custeio) e Lei Complementar nº 109/2001 (benefícios).


Em 2001, a Lei Complementar nº 108 de 29 de março de 2001 estabeleceu as regras de composição do conselho deliberativo de forma paritária, composto de no máximo 3 (três) membros indicados pelo patrocinador e 3 (três) escolhidos (eleitos) pelos participantes. No entanto, quebrou a paridade ao criar o Voto de Minerva, colocando nas mãos do patrocinador o destino das aplicações dos recursos. Eis o texto legal:


Lei Complementar nº 108 de 29.05.2001:

Art. 11. A composição do conselho deliberativo, integrado por no máximo seis membros, será paritária entre representantes dos participantes e assistidos e dos patrocinadores, cabendo a estes a indicação do conselheiro presidente, que terá, além do seu, o voto de qualidade.


Art. 15. A composição do conselho fiscal, integrado por no máximo quatro membros, será paritária entre representantes de patrocinadores e de participantes e assistidos, cabendo a estes a indicação do conselheiro presidente, que terá, além do seu, o voto de qualidade.


Dois anos mais tarde sobreveio a ingerência política, bem mais danosa, neutralizando de vez a participação dos trabalhadores no destino dos fundos.


Em 2003, o Decreto nº 4.678, de 24 de março de 2003 instituiu o Conselho de Gestão da Previdência Complementar – CGPC, formado por 7 (sete) entidades governamentais, de previdência complementar e patronal, e apenas 1 (uma) entidade representativa dos trabalhadores.


2. Ingerência política transformou em letra morta a participação dos trabalhadores nos fundos de pensão


Em 2008, em flagrante afronta à Lei Complementar nº 109/2001, o CGPC, através da Resolução nº 26, permitiu o desfalque dos fundos de pensão – o rateio bilionário do superávit pelos patrocinadores.


Esse superávit era originário de outra falha do sistema, que não previu o destino dos fundos de pensão nas incorporações e nas privatizações. Milhares de trabalhadores foram demitidos (antes de implementar as condições para a aposentadoria). Pelas regras da maioria dos fundos, levaram apenas as suas contribuições pessoais, deixando para o fundo as contribuições do patrocinador.


2.1. Sistema está legislando contra a lei através de Resoluções do CNPC


O sistema está legislando através de Resolução do CNPC. A Lei Complementar nº 109/2001, que rege o sistema, definiu que em caso de superávit deveria ser constituída reserva em prol do próprio fundo de pensão. Comparemos os dois textos:


Lei Complementar nº 109/2001:

Art. 20. O resultado superavitário dos planos de benefícios das entidades fechadas, ao final do exercício, satisfeitas as exigências regulamentares relativas aos mencionados planos, será destinado à constituição de reserva de contingência, para garantia de benefícios, até o limite de vinte e cinco por cento do valor das reservas matemáticas.

§ 1o Constituída a reserva de contingência, com os valores excedentes será constituída reserva especial para revisão do plano de benefícios.

§ 2o A não utilização da reserva especial por três exercícios consecutivos determinará a revisão obrigatória do plano de benefícios da entidade.


Resolução CGPC nº 26 de 29 de setembro de 2008:

Da Reversão de Valores aos Participantes e Assistidos e ao Patrocinador

Art. 25. A destinação da reserva especial por meio da reversão de valores de forma parcelada aos participantes e assistidos e ao patrocinador está condicionada à comprovação do excesso de recursos garantidores no plano de benefícios em extinção, mediante:

I - a cobertura integral do valor presente dos benefícios do plano; e

II - a realização da auditoria prévia de que trata o art. 27.

§ 1º A reversão de valores aos participantes e assistidos e ao patrocinador deverá ser previamente submetida ao órgão de fiscalização e supervisão e somente deverá ser iniciada após a aprovação de que trata o art. 26 (Alterado pela Resolução MTPS/CNPC Nº 22, de 25 de novembro de 2015).


É inequívoca a afronta ao Princípio da compatibilidade vertical porque uma simples resolução jamais poderia dispor de forma diversa de uma lei hierarquicamente superior. Coloquemos a legislação dos fundos na Escala de Kelsen para comprovar a afronta:


. Constituição Federal

. . Emendas à Constituição

. . . Lei Complementar 108/2001 – REGRA GERAL

. . . . Lei Ordinária nº 12.618/2012 - Funpresp

. . . . . Lei Delegada e Medida Provisória

. . . . . . Decreto Legislativo

. . . . . . . Resolução do CGPC/CNPC

. . . . . . . . Estatutos e regulamentos das EFPC - fundos de pensão

. . . . . . . . . Contratos dos participantes com as EFPC


Em 2010, o Decreto nº 7.123, de 03 de março de 2010 revogou o CGPC e institui o conselho Nacional da Previdência Complementar – CNPC, também formado por 7 (sete) entidades governamentais, de previdência complementar e apenas 1 (uma) represente dos trabalhadores. Criou também a Câmara de Recursos da Previdência Complementar – CRPC.


Apesar da luta travada ao longo desses dezesseis anos, até hoje os trabalhadores não conseguiram eliminar essas distorções do sistema.


2.2. Nulidades em série.


Muitas ações foram propostas contra essa Resolução do CGPC que autorizou o rateio do superávit pelo patrocinador (fruto da demissão em massa). No entanto, todas pereceram por “questões formais”, defeito comum encontrado nas ações de matérias tidas como complexas. Veja-se a respeito esta Nota do Senado[6]:


Devolução de superávit a patrocinadores de fundos de pensão contrapõe governo e beneficiários

Autor do projeto, o senador Paulo Bauer (PSDB-SC) argumenta que o Conselho de Gestão da Previdência Complementar (CGPC) teria extrapolado seu poder de regulamentar e ignorado a lei vigente (Lei Complementar 109/2001). A mudança da resolução, segundo o senador, teria de ser feita por projeto de lei, motivo pelo qual o texto deve ser sustado. Entidades que representam os beneficiários dos fundos de previdência concordam.


- Estamos tentando que esta Casa devolva a si mesma o privilégio de legislar. Entendemos que a resolução extrapola a legislação ao prever o instituto da reversão de valores, que não está previsto nas leis – afirmou Isa Musa de Noronha, Presidente da Federação das Associações de Aposentados e Pensionistas do Banco do Brasil (FAABB).


A apresentação do projeto foi motivada pelo pedido de entidades ligadas a beneficiários dos planos de previdência complementar. A audiência, segundo Paulo Bauer, poderia ajudar a esclarecer dúvidas sobre o projeto. Além dele, também requereram a realização do debate os senadores José Pimentel (PT-CE), relator do projeto na CAE, e Ana Amélia (PP-RS). Durante a audiência foram entregues à comissão as assinaturas de cerca de 80 mil pessoas que apoiam o projeto e querem que a resolução seja sustada.


Validade

Representantes do governo e das entidades de previdência complementar, no entanto, defendem a validade da resolução. Para o diretor executivo da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp), Luiz Ricardo Marcondes Martins, o conselho tem competência para regular o sistema e a lei não apresenta um rol definido de providências em caso de superávit, o que daria margem à regulamentação pela resolução.

. . . . . . . .

O senador José Pimentel concorda com a validade da resolução. Tanto ele quanto Ferreira citaram 14 ações contra a resolução do STF (SIC), das quais 11 já foram extintas sem o julgamento do mérito. Apenas três, disse o diretor, ainda aguardam julgamento.

Mérito

O representante do Grupo em Defesa dos Participantes da Petros, Rogério Derbly, lembrou que, apesar de a maioria das ações ter sido extinta, isso se deu por questões formais, e o STF concordou com a alegação de que a resolução extrapolou a lei (grifos nossos).


Essa Nota da Agencia Senado revela três detalhes importantes dessa luta inglória: 1) os trabalhadores reuniram 80.000 assinaturas, numa luta desigual contra as entidades de previdência complementar, sem sucesso. 2) as ações de previdência complementar não chegam ao STF porque são extintas por “questões formais”; 3) O Supremo Tribunal Federal - STF concordou que de fato a resolução extrapolou a lei, mas nada pode fazer em razão das “questões formais”.


Nessa luta inglória, ainda tramita o Projeto de Decreto Legislativo – PDL nº 275/2012, de autoria do Senador Paulo Bauer (PSDB/SC), pedindo a sustação da Resolução CGPC nº 26/2008, que permitiu o rateio do superávit dos fundos de pensão pelo patrocinador[7].


3. Déficit dos fundos explodiu: 700% de aumento em 4 anos


A ingerência política fez o déficit dos fundos de pensão explodir. Só nos últimos anos, de 2012 a 2016 subiu mais de 700% como demonstrado neste blog[8].


Em 2013, também o CNPC legislou em desfavor dos trabalhadores quando, através da Resolução nº 13, de 04 de novembro de 2013 postergou o equacionamento do déficit em 3 (três) anos, eliminando a distinção entre déficit conjuntural.


O déficit era tão grande que se fosse cobrado no ano seguinte como previa a lei, exigiria uma alíquota muito alta, evidenciando as falhas do sistema. Dessa forma, foram jogados sobre os ombros dos trabalhadores os déficits de todos os matizes, inclusive os da má-gestão e da corrupção. Comparemos os textos:


Lei Complementar109/2001:

Art. 21. O resultado deficitário nos planos ou nas entidades fechadas será equacionado por patrocinadores, participantes e assistidos, na proporção existente entre as suas contribuições, sem prejuízo de ação regressiva contra dirigentes ou terceiros que deram causa a dano ou prejuízo à entidade de previdência complementar.

§ 1º O equacionamento referido no caput poderá ser feito, dentre outras formas, por meio do aumento do valor das contribuições, instituição de contribuição adicional ou redução do valor dos benefícios a conceder, observadas as normas estabelecidas pelo órgão regulador e fiscalizador.


Antes – Resolução CGPC N.º 26, de 29.09.2008:

Art. 28. Observadas as informações constantes do parecer atuarial acerca das causas do déficit, a EFPC deverá promover seu imediato equacionamento, mediante a revisão do plano de benefícios.

§ 1º A EFPC, para promover o equacionamento do déficit, poderá aguardar o levantamento das demonstrações contábeis e da avaliação atuarial relativas ao exercício imediatamente subsequente à apuração inicial do resultado deficitário, desde que:

I - o déficit seja conjuntural, segundo o parecer atuarial;

II - o valor da insuficiência seja inferior a 10% (dez por cento) do exigível atuarial; e

III - haja estudos que concluam que o fluxo financeiro é suficiente para honrar os compromissos do exercício subsequente.


Depois – Resolução CNPC nº 13, de 4 de novembro 2013:

Art. 1º O art. 28 da Resolução nº 26, de 29 de setembro de 2008, do Conselho de Gestão da Previdência Complementar, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 28. Observadas as informações constantes em estudo específico da situação econômico-financeira e atuarial acerca das causas do déficit técnico, deverá ser elaborado o plano de equacionamento de déficit, obedecendo aos seguintes prazos contados a partir do encerramento do exercício social que apurou o resultado deficitário:

I – até o final do exercício seguinte, se o déficit técnico acumulado for superior a dez por cento das provisões matemáticas;

II - até o final do exercício subsequente ao da apuração do terceiro resultado deficitário anual consecutivo, se o déficit técnico acumulado for igual ou inferior a dez por cento das provisões matemáticas.


Em 2015, começaram a aparecer os déficits postergados. Surgiram novos equacionamentos de déficit em vários fundos de pensão, cujas alíquotas foram se somando às anteriores.

Hoje, esses descontos compulsórios já ultrapassaram a casa dos 20% e caminham para os 30%, pelos próximos 15 a 20 anos. Para muitos aposentados já idosos, equivale a uma condenação pelo resto da vida.


A perda de quase 1/3 da renda de um idoso para pagar déficit de origem ilícita, é no mínimo desumano, absurdo. O Brasil tem hoje cerca de 220 fundos de pensão deficitários e R$ 77,6 bilhões de déficit.


Em 2015, após o embate dos trabalhadores contra a Resolução nº 26 do CGPC, as entidades de Previdência Complementar voltaram a afrontar a lei. A Resolução nº 22 do CNPC voltou a permitir o rateio do superávit ao patrocinador, nos seguintes termos:


Resolução CNPC nº 22 de 25 de novembro de 2015:

“Art. 25. ......................................................................................

§ 1º A reversão de valores aos participantes e assistidos e ao patrocinador deverá ser previamente submetida ao órgão de fiscalização e supervisão e somente deverá ser iniciada após a aprovação de que trata o art. 26”. (NR).

“Art. 26. A destinação da reserva especial de que trata o art. 25 deverá ser submetida à aprovação do órgão de fiscalização e supervisão antes do início da reversão parcelada de valores.

§ 1º O órgão de fiscalização e supervisão poderá determinar a adoção de hipóteses biométricas, demográficas, econômicas e financeiras na avaliação atuarial do plano de benefícios.

§ 2º Caso seja necessário recompor a reserva de contingência nos termos do art. 18, é obrigatória a interrupção da utilização da reserva especial, que somente poderá ser retomada após nova aprovação do órgão de fiscalização e supervisão”.


Como se vê, é uma luta inglória dos participantes contra as arbitrariedades do próprio sistema de Previdência Complementar.


3.1. Privatizações – demissão em massa e enriquecimento do patrocinador precisam ser contidos


Essa regra precisa ser revogada em regime de urgência, sobretudo para evitar a demissão em massa nas futuras privatizações e incorporações. É preciso impedir o desfalque dos fundos de pensão e o enriquecimento dos patrocinadores.


4. Sistema tem falhas graves na fiscalização


O sistema tem falhas graves na fiscalização pela Previc – o órgão regulador e fiscalizador. A história evidenciou a falta de conexão entre o órgão que fiscaliza e o que aprova os regulamentos dos fundos. Essas falhas estão comprovadas nas incorporações de empresas com fundos deficitários. É o caso do Economus na incorporação do Banco Nossa Caixa pelo Banco do Brasil.


Além das causas dos déficits, esta pesquisa revelou a existência de 3 (três) fundos de pensão com regras lesivas retroativas[9]. No caso específico do Economus (fundo do Banco Nossa Caixa) um redutor lesivo, implantado 15 anos após a adesão trouxe a perda de até 52% da complementação, conforme a idade. Esse Regulamento foi aprovado pelo órgão regulador e fiscalizador na época – a Secretaria de Previdência Complementar - SPC.


Em 2009, quando da incorporação do Banco Nossa Caixa pelo Banco do Brasil, nova falha aconteceu na fiscalização desse fundo. Um déficit de R$ 695 milhões (em valores de 2005) que estava sendo discutido na Justiça Federal ficou de fora da negociação. Desde 2006, esses trabalhadores vêm sofrendo débitos compulsórios para equacionamento desse déficit. Em 2015, apareceu mais R$ 511 milhões, cujo equacionamento começou em março último. Agora, já há notícia de um novo déficit de 1,2 bilhões, cujo desconto compulsório será de 30%[10]. Se essa notícia se conformar, não vai sobrar nada da complementação desses 9.000 trabalhadores.


Falha na fiscalização foi confirmada pelo TCU. Em 21.03.2018, no Relatório de Levantamento dos fundos de pensão deficitários das estatais Previ, Funcef e Petros, o TCU comprovou que os fundos deixaram de ganhar R$ 85 bilhões por ineficiência dos seus administradores. Comprovou também as falhas na fiscalização pela PREVIC ocorridas nesses fundos, muitos dos quais estão sendo investigados pelas várias operações da Polícia Federal em curso no país, como a Lava Jato, Greenfield, Sépsis e Cui Buono. Eis alguns trechos do Acórdão nº 595/2018 do TCU[11]:

Relatório de Levantamento do TCU de 21.03.2018:

104. Dessa forma, conforme se depreende dos achados ao longo deste relatório, vê-se que o poder sancionador da Previc é limitado e não tem o condão de prevenir e reprimir condutas que resultam em atos de improbidade administrativa e de ressarcimento por danos causados ao erário.

105. Além disso, conforme detalha-se em outro tópico deste relatório (Inconsistências nos desdobramentos de autos de infração expedidos pela Previc em casos analisados na CPI dos Fundos de Pensão), os resultados apresentados nos autos de infração e os valores das notificações autuadas pela Previc não foram suficientes para fazer face aos prejuízos apurados pela Previc nos investimentos realizados pela Funcef, Petros e Previ.

. . . . .

128. A Previc não fiscalizou nenhuma dessas operações de compra de ação com indício de sobrepreço. Os ativos listados nessa figura ou foram adquiridos com sobrepreço, ou há falhas no registro de preço de sua custódia. Em ambos casos, há elevada probabilidade de irregularidade, enquadrando esses ativos como de elevado risco.

. . . .

183. A Previc não fiscalizou essas compras de ações com indícios de sobrepreço. Todas as compra de ações com indícios de sobrepreço são consideradas de elevado risco.

. . . .

IV.3.11.4 Ausência de punição tempestiva de gestores de fundos de pensão por parte da Previc

783. Ainda tratando da questão afeta à responsabilização de gestores de fundos de pensão por parte da Previc, observou-se, em muitos casos, uma demora excessiva para apuração dos fatos ocorridos que geraram falhas na gestão de fundos de pensão, bem como para o alcance da efetiva punição dos responsáveis por essas irregularidades.

784. Nesse sentido, identificou-se que o atraso está concentrado basicamente em dois momentos específicos do processo de apuração e punição de irregularidades por meio dos autos de infração.

785. O primeiro momento seria o tempo decorrido entre a ocorrência da irregularidade em si e o início da apuração por parte da Previc e consequente abertura do auto de infração. Assim, muitas vezes entre a ocorrência da falha e o início da apuração pode existir um período de alguns anos.

786. Obviamente, a identificação de falhas em investimentos de grande porte nem sempre é um processo simples, e muitas vezes está associada à integralização de um determinado prejuízo que, inicialmente, não foi identificado. Entretanto, a demora da identificação dessas irregularidades também pode ocasionar prejuízo para a gestão do fundo e para a efetividade do processo punitivo.

787. Isso pode gerar um contexto de impunidade, bem como risco decorrente do prolongamento da espera por uma punição que pode possibilitar que os gestores que cometem falhas permaneçam em seus cargos por um longo período de tempo, ou até mesmo que a punição de afastamento do cargo perca totalmente a sua eficácia, pois os responsáveis já não exercem mais suas funções junto ao fundo de pensão quando da aplicação da sanção.

788. Essa demora foi verificada em alguns casos, como, por exemplo, no Auto de Infração nº 02/2016, da Funcef. Segundo o relatório do AI, a irregularidade, que teria ocorrido na aprovação e aquisição de cotas do Fundo de Investimentos em Participações Cevix (FIP Cevix) , ocorreu desde 2009; porém, o auto de infração somente foi lavrado em março de 2016, ou seja, quase sete anos após a ocorrência dos fatos em questão.

789. Ou seja, o início da apuração dos fatos, bem como a análise dos procedimentos de justificativa para sua ocorrência (defesa) começaram quase sete anos após a aprovação do investimento, contribuindo para um contexto de impunidade e reduzindo os efeitos das punições propostas.

790. O segundo momento que colabora para a demora na punição de responsáveis é o longo tempo após a abertura do auto de infração. Nesse sentido, ainda tratando do AI 02/2016, segundo a Nota técnica 297/2017, os responsáveis começaram a apresentar suas defesas, em abril/2016, alegando questões preliminares associadas aos argumentos de mérito.

. . . . . .

IV.3.11.5 Punição desproporcional ao evento que gerou o auto de infração e com baixo potencial dissuasório

797. Em alguns dos casos analisados, irregularidades graves que causaram prejuízos de centenas de milhões de reais aos cofres dos fundos de pensão resultam em punições como a uma multa e/ou a pena de inabilitação, muitas vezes consideradas pouco significativas em relação ao prejuízo causado.

. . . . . .

IV.3.11.8 Conclusão

821. A despeito de os autos de infração analisados serem especificamente relativos a casos de investimentos com indícios de irregularidade da Funcef e Petros relatados na CPI dos Fundos de Pensão, os indícios detectados demonstram vulnerabilidades no processo de análise e tratamento de autos de infração por parte da Previc.

822. Verificaram-se deficiências relativas ao estabelecimento de critérios de responsabilização de gestores, bem como do detalhamento de suas responsabilidades em cada caso concreto. Problemas relativos à tempestividade e proporcionalidade das punições também foram detectados por essa equipe de auditoria. Ademais, a presença de nulidades nos autos de infração que impediram a responsabilização dos gestores de fundos de pensão e dificuldades relativas à organização dos processos eletrônicos demonstram a necessidade de trabalho de fiscalização na área de processamento e julgamento dos autos de infração da Previc.

823. Nesse sentido, uma fiscalização poderia avaliar a eficácia, a efetividade, e os procedimentos de organização desses autos, bem como todo o processo de constituição desses importantes procedimentos de apuração, especialmente no que diz respeito à responsabilização de gestores de fundos de pensão e à aplicação de punição aos mesmos.

Esse documento histórico, de 156 páginas comprovou também que o fato de os administradores dos fundos não serem agentes públicos pode levar à impunidade. Esse relatório detalhou as falhas ocorridas nos fundos de pensão das estatais, evidenciando a necessidade de melhoria de todo o sistema.

Funpresp nasceu perfeita, mas também ficou vulnerável. A Funpresp nasceu blindada quanto aos diretores estranhos ao quadro de servidores, mas a ex-presidente Dilma vetou o artigo, como se observa desta Nota do Senado [12]:


A presidente Dilma Rousseff vetou dois artigos que se referem à organização dos fundos: o que previa que dois dos quatro integrantes da diretoria de cada fundo fosse eleito diretamente pelos participantes e o que previa mandato de quatro anos para esses dirigentes eleitos.


Como se vê, o sistema de Previdência Complementar é falho e inseguro, como comprovou o TCU em março/2018.


4.1. Tentativa de usurpação da competência do conselho fiscal


Em outubro de 2017, a Previc apresentou a minuta de uma nova Resolução do CNPC para criação de um Comitê de Auditoria composto por três a cinco membros contratados no mercado financeiro. A Anapar – Associação Nacional dos Participantes de Fundos de Pensão, integrante minoritária do CNPC, manifestou sua posição contrária a essa medida, por entender que haveria usurpação da competência do conselho fiscal.


Com razão a Anapar porque nesses 40 anos de existência dos fundos de pensão, os membros do conselho fiscal (eleitos pelos trabalhadores) agiram com total imparcialidade. Além de não aprovar as contas, vieram a público denunciar as irregularidades ocorridas nas aplicações dos recursos dos fundos de pensão.


4.2. Usurpação da competência do conselho fiscal foi concretizada


Em 06.12.2017, o Conselho Nacional de Previdência Complementar - CNPC aprovou uma resolução disciplinando a contratação de auditoria independente, usurpando a competência do conselho fiscal. Das 7 entidades que compõem o CNPC, apenas 3 votaram contra (Anapar, Abrapp e representantes dos patrocinadores e instituidores) [13].


Esse episódio comprova o dirigismo político do sistema de Previdência Complementar. A participação dos trabalhadores agora é letra morta. Não resta dúvida que todo o sistema precisa ser reestruturado para restabelecer a segurança jurídica.


Atualizado em 22.04.2018.

 

[1] Portabilidade nos fundos de pensão: Instrução Conjunta SUSEP/PREVIC Nº 1 DE 14/11/2014.

[2] Ingerência patronal e política está destruindo os fundos de pensão (Parte 1), Item 2.1. Blog idade com dignidade. Disponível em: https://www.idadecomdignidade.com.br/single-post/2017/10/20/Inger%C3%AAncia-patronal-e-pol%C3%ADtica-est%C3%A1-destruindo-os-fundos-de-pens%C3%A3o-Parte-1

[3] Falhas estruturais do sistema de fundos de pensão. Blog idade com dignidade.

[4] Mais uma investida contra os participantes dos fundos de pensão. Blog idade com dignidade.

[5] Ingerência patronal e política está destruindo os fundos de pensão (Parte 1). Blog idade com dignidade. Disponível em: https://www.idadecomdignidade.com.br/single-post/2017/10/20/Inger%C3%AAncia-patronal-e-pol%C3%ADtica-est%C3%A1-destruindo-os-fundos-de-pens%C3%A3o-Parte-1

Ingerência patronal e política está destruindo os fundos de pensão (Parte 2). Blog idade com dignidade. Disponível em: https://www.idadecomdignidade.com.br/single-post/2017/11/13/Inger%C3%AAncia-patronal-e-pol%C3%ADtica-est%C3%A1-destruindo-os-fundos-de-pens%C3%A3o-Parte-2

[6] Devolução de superávit a patrocinadores de fundos de pensão contrapõe governo e beneficiários. Agencia Senado, 02/jul/2014. Disponível em:

[7] Projeto de Decreto Legislativo – PDL 275/2012. Agencia Senado. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/105736

[9] Artigo: Falhas do sistema de fundos de pensão, Item 6.1

[10] Economus, que tem Banco do Brasil como patrocinador, pode ter déficit de R$ 2 bi. Estadão. Coluna do Broadcast, 08/out/2017. Disponível em: http://economia.estadao.com.br/blogs/coluna-do-broad/econumus-que-tem-banco-do-brasil-como-patrocinador-pode-ter-deficit-de-r-21-bi/

[11] Relatório de Levantamento. TCU, Acórdão nº 595/2018, Relator José Múcio Monteiro, Data: 21.03.2018. Disponível em: https://contas.tcu.gov.br/pesquisaJurisprudencia/#/detalhamento/11/%252a/NUMACORDAO%253A595%2520ANOACORDAO%253A2018/DTRELEVANCIA%2520desc%252C%2520NUMACORDAOINT%2520desc/false/1/false Acesso em 18.04.2018.

[12] BAPTISTA, Rodrigo; LIMA Paola. Sancionada lei que cria nova aposentadoria para servidores. Agencia Senado. Brasília, 02/maio/2012. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2012/05/02/sancionada-lei-que-cria-nova-aposentadoria-para-servidores Acesso em 05.02.2018.

[13] Conselho fiscal foi neutralizado. Participação dos trabalhadores nos fundos de pensão é letra morta. Blog Idade com dignidade, 08/fev/2018. Disponível em: https://www.idadecomdignidade.com.br/single-post/2018/02/08/Conselho-fiscal-foi-neutralizado-Participa%C3%A7%C3%A3o-dos-trabalhadores-nos-fundos-de-pens%C3%A3o-%C3%A9-letra-morta

Pesquisa registrada. Todos os direitos reservados da autora.

Fica expressamente proibido o uso do conteúdo deste blog sem prévia autorização.

bottom of page