Causas dos déficits dos fundos de pensão
Os fundos de pensão patrocinados agonizam. Dos 301 existentes, quase 220 estavam mergulhados num déficit absurdo de R$ 77,6 bilhões de reais no final de 2017. Numa pesquisa inédita empreendida por nós nesse intrincado universo, identificamos várias causas desses déficits, além da corrupção.
Numa entrevista recente, o presidente da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Privada – Abrapp afirmou que "o dinheiro dos fundos de pensão acabará em 2034". Ou seja, daqui a 17 anos, se não forem feitos ajustes[1]:
Quando o déficit bilionário vem à baila, os dirigentes das entidades de previdência complementar apelam para o reducionismo, pondo a culpa na corrupção. Dizem que um ou outro fundo é caso de polícia, mas o restante vai bem.
Não é verdade! A Operação Greenfield da Polícia Federal, de fato está apurando as causas do déficit nos casos mais graves ocorridos no país, mas existem muitas outras causas decorrentes de falhas estruturais do sistema, da segregação, da má gestão e da ineficiência da Previc - o órgão fiscalizador. Vamos a elas:
1. Capitalização causou déficit nos Planos de Benefício Definido – BD
Os primeiros fundos de pensão instituídos no Brasil, em meados de 1977, criaram planos na modalidade Benefício Definido - BD, ou seja, planos solidários, mutualistas e de conta coletiva. Esses planos tinham por finalidade a complementação da aposentadoria entre o teto previdenciário (R$ 5.645,80 em 2018) e o Salário Real de Benefício (média dos últimos 12 meses ou outra regra prevista nos estatutos do fundo de pensão).
Como esses Planos BD evidenciavam déficits, e por lei o patrocinador deve responder por metade do déficit apurado, os fundos de pensão promoveram o saldamento[3] desses planos. Ou seja, quitaram e fecharam os Planos BD antigos. Adotaram a capitalização (conta individual) para os trabalhadores da ativa e também para novos trabalhadores, na modalidade Contribuição Variável – CV, com o risco por conta só do participante e Vantagens para o patrocinador.
Naquele momento ninguém pensou nos efeitos da segregação do antigo Plano BD, o qual ficou privado das contribuições dos trabalhadores novos. Nos casos em que o plano estava deficitário (redução ilícita das contribuições do patrocinador, segregação pela incorporação, falta de provisionamento de alguma verba incomum, má-gestão, fraude, etc.), com a falta da contribuição dos trabalhadores novos, os déficits foram evidenciados. Hoje, comprovadamente, os Planos BD segregados são os mais deficitários do país.
Foi assim que o deficitário Economus (do Banco Nossa Caixa, hoje Banco do Brasil) segregou o Plano de Benefício Definido – BD em 2007 e criou o PREVMAIS para os novos trabalhadores. Também foi dessa mesma forma que o deficitário Postalis criou o POSTALPREV. E assim os patrocinadores pulverizaram o déficit, jogando-o sobre ombros dos trabalhadores participantes do sistema.
A mudança para a capitalização trouxe prejuízo a milhares de trabalhadores porque o antigo Plano BD segregado, mesmo deficitário, continuou obrigado a pagar os benefícios dos participantes que nele ficaram. Além disso, esse Plano BD antigo continuou obrigado a pagar também, no futuro (quando da aposentadoria), a complementação dos que migraram para a capitalização, proporcionalmente ao período contribuído nele, antes da adesão ao novo regime de capitalização.
Em síntese, o saldamento foi um subterfúgio adotado pelos patrocinadores (empresas privadas e estatais) para se eximirem da obrigação legal de pagar metade do déficit de seus fundos de pensão. Essa mudança trouxe enorme prejuízo para os participantes antigos e também para os novos.
A segregação de um plano solidário e mutualista como o Plano BD tem um efeito nefasto: a quebra do pacto intergeracional. Como consequência, cessa a contribuição dos novos participantes, mas o fundo continua obrigado a pagar os benefícios (aposentadorias e pensões) dos que ficaram segregados, além do alto custo da batalha judicial (depósitos recursais trabalhistas, custas judiciais, honorários advocatícios, condenações, etc.).
1.1. Planos saldados são os mais deficitários em todo o país:
PETROS. Segundo notícia veiculada pelo Jornal O Estado de São Paulo, o Plano BD do Petros, da Petrobras, responde sozinho pela quase totalidade do déficit. Esse plano Petros-BD foi segregado em 2012 e congrega 99% dos assistidos, ou seja, 56.841 trabalhadores[4].
O déficit do Petros é de 14 bilhões e deverá ser equacionado em 18 anos, com alíquotas de desconto compulsório chegando a 26,9% para os assistidos com rendas mais altas, conforme noticiou o jornal Valor Econômico[5]. Posteriormente esse percentual já chegou a 74,69% por mês.
BANRISUL. Em 05.05.2016, no Rio Grande do Sul, cerca de 12.000 trabalhadores do Banrisul fizeram uma manifestação contra o desconto compulsório de 30 a 40% por mês para equacionamento do déficit da Fundação Banrisul. Desses, cerca de 5.000 (cinco mil) eram pertencentes ao planto antigo e tiveram alíquotas mais altas de desconto.
Existe uma ação em curso, movida pela Agban e um Inquérito Civil Público conduzido pelo Ministério Público Federal, fato demonstrado no artigo deste blog, de 13.10.2017, intitulado: “O grito de alerta dos trabalhadores contra o desconto para equacionamento do déficit dos fundos de pensão”.
ECONOMUS. O fundo de pensão do Banco Nossa Caixa, incorporado pelo Banco do Brasil teve um déficit anterior de R$ 695 milhões, apurado em 2005, equivalente a 28,26% das reservas. Esse déficit era fruto da redução ilícita das contribuições do patrocinador durante 5 anos e da falta de aportes para o Adicional Especial, uma verba instituída para os celetistas em substituição à sexta-parte.Esse caso foi discutido numa ação movida pela Associação Nacional dos Participantes de Fundos de Pensão - ANAPAR no AREsp 1155662. Lamentavelmente, esse recurso pereceu no STJ por falta de uma procuração, já na vigência do Novo Código de Processo Civil. Mas, antes já padecia de nulidade por ter a sentença copiada de precedentes inservíveis, como acontece com a maioria das ações de Previdência Complementar.
Cerca de 80% das ações envolvendo fundos de pensão perecem por "questões formais", sem apreciação das provas. Essas nulidades acontecem porque o assunto não é estudado nas universidades, uma vez que só existem cursos corporativos. No final de 2018 surgiu o 3º déficit do Economus, no valor de 1.533.970.437,23, cujos descontos compulsórios, somados aos déficits dos anos anteriores, chegaram a 24,73% a partir de abril/2019.
2. Segregação dos fundos de pensão das empresas incorporadas ou privatizadas
Por uma falha clamorosa na legislação, não foi definido o destino dos fundos de pensão nas incorporações, fusões e privatizações. A lei exige apenas a aprovação do órgão fiscalizador (atual PREVIC), sem definir o futuro do fundo. Essa falha causa a segregação dos fundos de pensão das empresas incorporadas, uma vez que os trabalhadores novos são direcionados para fundo de pensão da nova empresa (de conta individual).
A incorporação do Banco Nossa Caixa pelo Banco do Brasil é um exemplo clássico dessa falha clamorosa. Na época da incorporação havia um déficit de R$ 695 milhões (em valores de 2005) do fundo de pensão Economus estava sendo discutido numa ação civil pública[8]. Até hoje, o equacionamento desse déficit é debitado compulsoriamente dos trabalhadores, com maior alíquota sobre os aposentados, titulares de Planos BD. O prejuízo atinge mais de 9.000 trabalhadores em São Paulo.
O fundo segregado é ainda onerado com o pagamento de administração independente. A segregação do fundo de pensão de empresa incorporada é mais grave que a do Plano BD porque o fundo é obrigado a pagar as despesas administrativas para manter o funcionamento do fundo, além de suportar o alto custo da batalha judicial.
2.1 Discriminação dos trabalhadores das empresas incorporadas
Por falta de previsão legal, na incorporação a nova empresa adquire o patrimônio por preço irrisório e depois demite ou discrimina os trabalhadores da empresa incorporada. O fenômeno aconteceu com os Bancos, com as teles, com as empresas aéreas e com todas as estatais.
Em 16.08.2013, o Banco do Brasil, a PREVI (Previdência Complementar) e a CASSI (Plano de saúde) foram condenados pela 3ª Vara de Brasília-DF, numa decisão histórica do juiz Dr. Carlos Augusto de Lima Nobre, por discriminar os trabalhadores de 3 (três) Bancos incorporados: Banco Nossa Caixa (BNC), Banco do Estado de Santa Catarina (BESC) e Banco do Estado do Piauí (BEP). Eis um trecho da sentença[9]:
Processo nº 1-55.2012.5.10.0003 – TRT10 – Distrito Federal e Tocantins
Em face do exposto, na Ação Civil Pública em que MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO propôs em face de BANCO DO BRASIL S.A., CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO BRASIL - CASSI e CAIXA DE PREVIDÊNCIA DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO BRASIL - PREVI decido julgar PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados pelo autor, para:
1 - condenar o 1º réu (Banco do Brasil), e subsidiariamente o 2º e 3º réus, a garantirem aos empregados egressos do Banco Nossa Caixa (BNC), Banco do Estado de Santa Catarina (BESC) e Bando do Estado do Piauí (BEP), e seus dependentes, o direito de associação aos Planos de Saúde (CASSI) e de Previdência Complementar (PREVI) em igualdade de condições aos empregados originariamente vinculados ao Banco do Brasil, mediante opção, que importará renúncia aos planos de saúde e previdenciária das instituições financeiras incorporadas, observados os demais comandos da fundamentação, que integra este dispositivo para todos os fins legais e de direito;
2 - condenar os réus, solidariamente, ao pagamento de indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais), a serem revertidos ao Fundo de Amparo ao Trabalhador.
Liquidação da sentença por cálculos.
Juros e correção monetária, na forma da Lei 8177/91 e das Súmulas 200 e 368 do c. TST.
Não há recolhimento previdenciário ou tributário em face da natureza indenizatória das verbas deferidas a título de condenação.
Custas, pelos réus, no importe de R$ 200.000,00, calculadas sobre R$ 10.000.000,00, valor ora arbitrado à condenação.
CARLOS AUGUSTO DE LIMA NOBRE
Essa sentença histórica, no entanto, foi prejudicada porque na segunda instância o TRT10 alegou incompetência absoluta da Justiça do Trabalho, mas ao mesmo tempo eliminou a condenação e a multa por dano moral coletivo, incidente sobre a 3ª ré PREVI, nos seguintes termos:
ACORDAM os Desembargadores da Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Décima Região, conforme certidão de julgamento, em aprovar o relatório, conhecer dos recursos, ter por prejudicado o recurso do reclamante e dar provimento parcial aos recursos dos reclamados para (a) reconhecer a incompetência absoluta da Justiça do Trabalho em relação aos pedidos concernentes à migração para o plano de previdência complementar, (b) julgar improcedentes os pedidos iniciais em relação à reclamada CAIXA DE PREVIDÊNCIA DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO BRASIL, (c) excluir da condenação todos os comandos alusivos à garantia de opção pelo plano de previdência complementar e (d) excluir da condenação a indenização por dano moral coletivo, reajustando as custas ao importe de R$ 1.000,00, pelos reclamados remanescentes, calculadas sobre R$ 50.000,00, novo valor arbitrado à condenação, nos termos do voto do Relator (Grifos nossos).
Mas, questiúnculas processuais à parte, o fato é que o Dr. Carlos Augusto de Lima Nobre apreciou as provas dos autos, julgou com maestria a matéria de índole constitucional – a discriminação ocorrida no âmbito trabalhista e proferiu uma decisão histórica.
Em alguns estados e no Distrito Federal, a discriminação do trabalhador já foi detectada e está sendo combatida pelo Ministério Público do Trabalho – MPT e pela Justiça. O Banco do Brasil recebeu ainda outra condenação decorrente de denúncia formulada pelo Ministério Público do Trabalho – MPT/Piauí[10]. No Rio de Janeiro o Ministério Público Federal atuou também de forma exemplar em defesa das vítimas da Sistel.
Essa falha do sistema precisa ser sanada porque em nosso ordenamento jurídico, quem incorpora uma empresa deve assumir todos os direitos e obrigações da empresa incorporada[11]. Logo, deve incorporar também o fundo de pensão.
Frise-se: a garantia da dignidade do trabalhador é dever do Estado, e a complementação de aposentadoria é acessório de um direito fundamental – a aposentadoria, como demonstrado no primeiro artigo deste blog: "Dignidade do trabalhador precisa ser respeitada".
3 – Redução ilícita das contribuições do patrocinador
A redução ou sonegação das contribuições do patrocinador é outra fonte significativa de déficits nos fundos de pensão. As estatais foram pioneiras nessa prática, sobretudo na época da transição entre o regime estatutário e o celetista. Esse fato foi documentado pelos funcionários do Banco do Brasil, no site da Federação das Associações de Aposentados e Pensionistas do Banco do Brasil – FAABB, nos seguintes termos[12]:
Antecedentes
6.1.18 Com isso, criou-se um problema: o BANCO, responsável pela complementação das aposentadorias do GRUPO não fazia aportes para a constituição das reservas de sua responsabilidade, enquanto a PREVI tampouco o fazia, porque utilizava as contribuições daqueles associados no pagamento dos complementos pelos quais o BANCO era (e é) responsável.
Essa redução das contribuições do patrocinador é recorrente nos fundos de pensão deficitários e precisa ser apurada. No caso da FAPES (do BNDES) também existe discussão sobre valores não aportados[13]
No caso do Economus houve redução das contribuições do patrocinador durante 5 anos, de 1995 a 2000, fato já mencionado no item anterior. As contas do Economus estão rejeitadas pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo desde 2003:
21 - Processo 2854/2012 - TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE S.PAULO - Of. C.CCM 1132/2012 - TC-3677/026/03[14]
Contas anuais do Economus Instituto de Seguridade Social, relativas ao exercício de 2003. - Deputado Cauê Macris - concordando com a decisão do TCE, solicitando envio de ofícios à PGE e ao MP, no sentido de tomarem as medidas cíveis e criminais cabíveis à espécie e posterior arquivamento dos autos.
Passados 14 (catorze) anos a situação do Economus nunca foi solucionada, o que nos leva a concluir que o Brasil não estava preparado para lidar com a Previdência Complementar. A matéria continua fora da grade curricular das universidades.
4. Alto custo dos depósitos recursais trabalhistas
O alto custo dos depósitos recursais trabalhistas é outra fonte de déficit, isto porque os fundos de pensão não dispõem de recursos para esse fim. Muitos fundos não têm verbas para pagar nem os benefícios, e dependem de desconto compulsório mensal para cumprir suas obrigações. O custo dessa batalha judicial é alto: se a ação foi julgada procedente em parte (e o fundo de pensão recorre sempre), para percorrer todas as instâncias da Justiça do Trabalho o fundo precisa despender R$ 62.717,41 Eis os valores[15]:
Recurso Ordinário. . . . . . . . : R$ 8.959,63
Recurso de Revista. . . . . . . : R$ 17.919,26
Embargos. . . . . . . . . . . . . . : R$ 17.919,26
Recurso Extraordinário. . . . : R$ 17.919,26
Total: R$ 62.717,41
O custo da Ação rescisória também era altíssimo: R$ 17.919,26.
A inércia das entidades legitimadas à propositura de ação civil pública levou os trabalhadores à propositura de ações individuais, potencializando o déficit. Também o custo da ação rescisória é o maior do país.
Justiça do Trabalho: lenta e pouco efetiva. Uma pesquisa recente do Instituto de Pesquisas Aplicadas - IPEA revelou que a Justiça do Trabalho é lenta e pouco efetiva. Além disso, revelou um dado assustador: apenas 2% das ações propostas foram julgadas totalmente procedentes, contrariando a tese de que “a balança tombe para o lado do trabalhador” [16].
4.2. Ações individuais aumentaram o déficit dos fundos de pensão
A inércia das entidades legitimadas à propositura de ação civil pública levou os trabalhadores a ajuizar ações individuais para discutir o equacionamento déficit, o limite de idade e as regras lesivas. O alto custo dos depósitos recursais aumentou ainda mais o déficit dos fundos de pensão.
Podemos concluir que a mudança de competência das ações para a Justiça do Trabalho, ocorrida em 2004, foi um erro gravíssimo porque fez explodir o déficit dos fundos de pensão. Hoje esse déficit recai sobre milhares de trabalhadores na forma de descontos compulsórios.
5. Falta de aportes para verbas especiais
Algumas categorias profissionais possuem verbas incomuns, as quais integram o salário para cálculo da complementação. Se, durante a fase de custeio, não foram provisionados recursos para essas verbas, fatalmente causará déficit. Foi o que aconteceu em São Paulo com o fundo de pensão Economus. Gerou déficit porque não foram provisionados recursos para o Adicional Especial – uma verba incomum dos primeiros celetistas, instituída em lugar da sexta-parte, na época de transição da empresa, de autarquia para sociedade de Economia Mista.
Mais uma vez o Economus é o exemplo clássico dessa falha porque no início foi administrado por estatutários, titulares de aposentadoria gratuita garantida pelo Estado. Eles não eram participantes da previdência complementar. Outro erro histórico, tanto do fundo de pensão quanto do sistema por permitir que estranhos administrem os fundos.
6. Falha interna do órgão regulador e fiscalizador e regulador
A falta de conexão interna entre o órgão que fiscaliza e o que regula os fundos de pensão impediu a apuração das causas dos déficits, tanto no saldamento dos Planos BD quanto nos casos de incorporação, privatização e, sobretudo nos casos de corrupção. O assunto foi abordado no item 2 do artigo anterior “Falhas estruturais do sistema de fundos de pensão. Além disso, existem falhas graves na fiscalização dos fundos.
7. Déficit conjuntural
Déficit conjuntural é aquele decorrente das oscilações do mercado, como a queda do preço das ações, mudança na taxa de juros, etc. É o déficit comum a que está sujeito todo poupador, todo investidor. Esse é o único tipo de déficit que deveria ser cobrado dos participantes do fundo de pensão.
Não se insere, por evidente, nesta modalidade de déficit aquele decorrente das aplicações de alto risco praticados em alguns fundos de pensão, como as apuradas pela Operação Greenfield.
8. Fraudes apuradas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal-MPF
A partir das delações premiadas da Operação Lava Jato, das empresas OAS e J&F, dentre outras, a Polícia Federal e o Ministério Público Federal rastrearam os caminhos por onde escoaram os recursos dos fundos de pensão dos bancos públicos e das estatais. O déficit dos fundos foi estimado em R$ 8 bilhões de reais. Com essas informações, foi deflagrada a Operação Greenfield para apurar as fraudes ocorridas nos fundos de pensão.
Em 05/setembro/2016, a Operação Greenfield mobilizou 560 policiais federais para cumprirem 127 mandados judiciais expedidos nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina e Amazonas, e também do Distrito Federal .Começou com os quatro maiores fundos do país: Petros, Postalis, Previ e Funcef [17].
Segundo a Polícia Federal, de cada dez casos, oito eram relacionados a investimentos fraudulentos feitos pelos fundos de pensão, por meio dos FIPs (Fundos de Investimentos em Participações) [18].
Em dezembro/2017, a Operação Greenfield ampliou sua esfera de atuação passando a investigar mais 100 fundos com investimentos suspeitos[19].
Em maio/2018 passou a investigar também os desvios ocorridos nos fundos de pensão dos estados brasileiros. E assim temos:
Rio de Janeiro - Operação Fundo Perdido. Em 08.05.2018, foi deflagrada a Operação Fundo Perdido, no Rio de Janeiro, um desdobramento da Operação Greenfield. O objetivo era apurar um prejuízo por má gestão de recursos, no valor de quase R$ 300 milhões nos cofres da Fundação Rede Ferroviária de Seguridade Social (Refer), o fundo de pensão de empregados de várias empresas da área de transportes ferroviários[20].
Esse foi o modo incomum através do qual o Brasil conseguiu rastrear os desvios dos recursos dos fundos de pensão.
9. Ingerência patronal e política
A ingerência patronal e política está destruindo os fundos de pensão. Dada a extensão e complexidade dessa causa de déficit, esta será abordada em separado, no próximo artigo.
10. Condenações trabalhistas aumentaram o déficit dos fundos de pensão
As condenações trabalhistas aumentaram o déficit nos fundos de pensão. O fenômeno aconteceu porque aumentaram o salário e, por conseguinte, aumentaram o valor do benefício, sem o necessário custeio. Vale lembrar que os fundos de pensão são formados pelas contribuições dos trabalhadores e dos patrocinadores. Logo, se o empregador é condenado a aumentar o salário do trabalhador, como nos casos desvio de função, deve contribuir com metade do valor apurado para o fundo de pensão. O Beneficiário da ação também deve contribuir.
Na Previdência Complementar patrocinada há uma relação contratual triádica (de natureza cível) entre o fundo de pensão, o patrocinador e os participantes. Essa relação não se extingue com a aposentadoria, de sorte que o patrocinador continuará vinculado ao fundo de pensão enquanto este existir. Tanto isto é verdade que na incorporação, quem adquire uma empresa continua respondendo como patrocinador do fundo de pensão da empresa incorporada.
Nesse contexto, é evidente que uma condenação por culpa do patrocinador que implique elevação da renda do trabalhador, fatalmente vai gerar o aumento do benefício. Daí a necessidade de custeio, na proporção estabelecida em lei (metade para o trabalhador e metade para o empregador/patrocinador). Tomemos como exemplo a Funcef, fundo de pensão da Caixa Econômica Federal, cujo contencioso trabalhista era superior a R$ 1 bilhão de reais em março/2018, como divulgado em seu site. Eis um trecho[21]:
Luiz Carlos Perserico – Qual o valor do contencioso resultante das ações trabalhistas de responsabilidade da CAIXA e o que está sendo feito pela diretoria atual?
O valor do contencioso provisionado, no que tange às ações trabalhistas nas quais a CAIXA compõe a lide, na posição de fevereiro/2018, equivale ao montante de R$ 1.010.118.691,55.
E mais adiante:
Luzinete Peixoto – E o direito de regresso contra a CAIXA? Fizeram algo para recuperar essas decisões jurídicas contra a FUNCEF?
A FUNCEF está compondo um Grupo de Trabalho que visa a conduzir o processo de apuração do montante imputável como de responsabilidade da patrocinadora, tanto nas ações em curso como nas transitadas em julgado, de modo que em resultado esta assuma o que tiver dado causa. O objetivo é de que a CAIXA assuma o custeio administrativamente, de modo a evitar a judicialização e mais dispêndios. A evolução nos acordos já realizados com a Patrocinadora demonstram que as tratativas entre a CAIXA e FUNCEF vem surtindo efeito.
Em 21.06.2018 a Petrobrás foi condenada pelo Tribunal Superior do Trabalho – TST em 15 bilhões. Imagine o impacto dessa decisão sobre a já combalida Fundação Petros. Sempre que a condenação trabalhista aumentar os rendimentos do trabalhador, esse aumento vai refletir na complementação e gerar déficit no fundo de pensão. Daí a necessidade de fazer aportes, na forma da lei.
Não se pode jogar sobre os ombros dos participantes esse fardo, esperando que o fundo de pensão vá mover ação regressiva, não só porque isso levaria mais de uma década para percorrer todas as instâncias, mas, sobretudo porque a diretoria do fundo de pensão é “indicada” pelo patrocinador e com o voto de Minerva, permanecendo inerte.
Quando o legislador estabeleceu como obrigação do participante o pagamento de metade do déficit, com direito a ação regressiva, ele imaginava um sistema bem administrado. No entanto, a realidade que se descortinou 40 anos depois é bem outra, com falhas estruturais e de fiscalização, ingerência patronal e política, além da corrupção sistêmica só descoberta pela Polícia Federal na Operação Greenfield (desdobramento da Operação Lava Jato).
Atualizado em 06.05.2019.
[1] GRADILONE, Cláudio. O dinheiro dos fundos de pensão acabará em 2034; Isto É dinheiro, São Paulo, Nº 1026, pág. 18, 12/jul/2017. Disponível em: http://www.istoedinheiro.com.br/o-dinheiro-dos-fundos-de-pensao-acabara-em-2034/
[2] Salário Real de Benefício é a base de cálculo da complementação de aposentadoria. Pode ser o último salário da ativa ou a média dos últimos 12 meses, conforme previsão estatutária.
[3] Saldamento é a quitação de um plano previdenciário.
[4] ALVES, Murilo R. Maior fundo do Petros terá rombo de 20 bilhões. O Estado de São Paulo, 28/nov/2015. Disponível em: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,maior-fundo-dopetros-tera-rombode-r-20-bilhoes,10000003252
[5] SCHINCARIOL, Juliana; Victor Aguiar. Funcionários terão de aportar R$ 14 bi no fundo de pensão da Petrobras. Valor Econômico, 12/set/2017. Disponível em:
[6] Revista do Sindicato dos Bancários de São Paulo. SP Bancários, 03/fev/2017.
Disponível em: http://www.spbancarios.com.br/Noticias.aspx?id=17308
[7] Plano de equacionamento do déficit 2017 – Regulamento Geral (GRUPO C). Economus. Disponível em: https://www.economus.com.br/plano-de-equacionamento-de-deficit-2017-regulamento-geral-grupo-c/
[8] Proc. nº 0031466-79.2007.4.03.6100 na Justiça Federal/SP e Proc. 0121696-48.2010.8.26.0100 na Justiça Estadual de São Paulo – 2ª Instância. AREsp 1155662.
[9] Processo nº 1-55.2012.5.10.0003 – TRT10. Sentença de 16.08.2013. Disponível em: http://www.trt10.jus.br/servicos/consultasap/atas.php?_1=01&_2=03&_3=2012&_4=0001&_5=www_516.&_6=16082013&_99=intra&_7=3 Acesso em 02.05.2018.
Ministério Público do Trabalho:
[10] Banco do Brasil é condenado em ação contra discriminação a trabalhadores do BEP, Portal O dia, 02/mar/2012. disponível em:
[11] Vide item 1 do artigo “Falhas do sistema de fundos de pensão”.
[12] FAABB. Disponível em: http://faabb.com.br/institucional/previ/5-antecedentes/
[13] NUNES, Vicente, Antonio Timóteo e Simone Kafruni. A promíscua relação entre o BNDES e a Fapes, seu fundo de pensão. Blog. Correio Brasiliense, 05/agosto/2016. Disponível em:
[14] Site Jusbrasil. Processo 2854/2012 – Tribunal de Contas do Estado.
[15] TST divulga novos valores de limite de depósito recursal – 18.07.2016.
[16] LIMA, Flávia. Justiça do Trabalho é lenta e pouco efetiva para o empregado. Folha de São Paulo, 30/out.2017. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/10/1931318-justica-do-trabalho-e-lenta-e-pouco-efetiva-para-o-empregado.shtml Acesso em 30/10/2017.
[17] PF faz operação contra fraudes em fundos de pensão. Terra, Agencia Brasil, 05/set/2016. Disponível em: https://noticias.terra.com.br/brasil/policia/pf-investiga-fraudes-nos-quatro-maiores-fundos-de-pensao-do-pais,0f6afd35be8736642410094850f7b09f0e08m5nz.html
[18] PF prende empresário em operação que investiga fraudes em fundos de pensão. G1.Globo, 08/mar/2018. Disponível em: http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/pf-realiza-2-fase-da-operacao-greenfield-que-investiga-fraudes-em-fundos-de-pensao.ghtml
[19] SERAPIÃO, Fábio; Bulla, Beatriz. Operação Greenfield vai ampliar para 100 as investigações. Estadão, 11/dez/2018. Disponível em: https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,operacao-greenfield-vai-ampliar-para-100-as-investigacoes,70002115334 Acesso em 06.06.2018.
[20] SARAIVA, Jacqueline, Gestão fraudulenta causa rombo de quase R$ 300 mi em fundo de pensão no RJ. Correio Brasiliense, 08/maio/2018. Disponível em https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2018/05/08/interna-brasil,679073/gestao-fraudulenta-causa-rombo-r-300-mi-em-fundo-de-pensao.shtml Acesso em 29.05.2018.
[21] [21] FUNCEF responde dúvidas de participantes e assistidos. Funcef, 29/mar/2018. Disponível em: https://www.funcef.com.br/noticias/funcef-responde-duvidas-de-participantes-e-assistidos.htm Acesso em 20.06.2018.
Pesquisa registrada. Todos os direitos reservados da autora.
Fica expressamente proibido o uso do conteúdo deste blog sem prévia autorização.
#segregação #fundosdepensão #Economus #Petros #Banrisul #saldamento #déficitsdosfundosdepensão #segregaçãodiscriminação #Causasdodéficitdosfundosdepensão #Planossaldadossãodeficitarios #discriminaçãodostrabalhadores #OperaçãoGreenfield #OperaçãoFundoPerdido #Fraudesnosfundosdepensão #segregaçãodoplanoBD